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Cinema/estréias - Crítica/"O Passado"
Babenco se perde em drama
"O Passado", adaptação de livro do argentino Alan Pauls, tem situações de dramaturgia mal armadas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Tudo começa com uma
festa em que são celebrados os 12 anos de casamento de Rímini (Gael García Bernal) e Sofía (Analía Couceyro). Não faltam os amigos
sorridentes. Não falta o filme
do casamento. Nem mesmo a
comunicação surpreendente.
"Já sei", diz a senhora que os escuta: "Vão ter um filho".
Se estavam casados havia 12
anos e não tinham filhos ainda,
não era agora que iam começar.
Todos na platéia sabemos. Só a
senhora que não. Só ela se surpreende quando é informada
de que eles vão se separar.
Separação feita com amizade
e, da parte de Sofía, colaboração. Rímini logo encontra uma
substituta. Um mulherão. Uma
modelo que tem uma crise de
ciúme com o namorado pelo
celular, atirando-o no chão
com violência. Apesar disso, o
celular resiste -pois é um celular de cinema e porque as conveniências dramáticas assim o
pedem. Rímini o devolve à garota, Vera (Moro Angheleri).
A ela devemos o primeiro
momento em que o filme escapa à convenção. Sentada em
uma mesa de café, ela faz um
gesto com a mão e tira uma lente de contato do olho. Um gesto
simples, cotidiano, mas que por
alguma razão o cinema nunca
registra. Uma pena que o filme
não tenha muitos outros momentos assim.
Com Vera começam os problemas de Rímini: ela é insegura, carente, ciumenta. Chata,
em suma. Não quer ver Sofía
nem em fotografia. Já Sofía faz
questão de reaparecer, em fotos ou não. E surgirá em sua vida Carmen (Ana Celentano).
Ou antes, ressurgirá, pois é uma
antiga colega. Rímini se aproxima dela e tem em mãos mais
uma situação que não controla.
Ele só se deixa levar. Se deixará
levar em todas as situações ao
longo do filme, talvez porque
seja uma pessoa mal construída, talvez porque seu personagem beire a inexistência.
Vera desaparecerá com rapidez por culpa de seu ciúme e de
um ônibus que aparece em uma
situação dramaticamente bem
mal armada. Não sentimos falta, mesmo porque com Carmen
o romance esquenta, ele decide
enfim ter um filho e, o que é
pior, reencontra Sofía -seu inseparável passado.
Sofía é uma personagem bem
demarcada do ponto de vista
iconográfico: seu rosto e sua
postura são excessivos. Carmen também: tudo nela sugere
equilíbrio, racionalidade. Assim, não será surpreendente
quando Carmen, após um episódio infeliz (e de novo mal
preparado dramaticamente),
decide divorciar-se de Rímini e
impedi-lo de ver o filho.
Em resumo, ela resolve cair
fora do filme. O que leva Rímini
a cair em uma depressão sem
fim que aprofunda a doença
que já havia manifestado desde
o início (e mortal para um tradutor): a perda de capacidade
de compreender outras línguas. Essa forma de afasia corresponde à sua impossibilidade
de tratar com as coisas da vida
de um modo geral. A questão da
linguagem não é abordada pelo
filme de maneira mais detida.
As desventuras do protagonista prosseguem, e chega um
ponto em que a platéia que
acompanhava a pré-estréia em
São Paulo começa a rir dos
acontecimentos, embora a opção pelo drama não tenha sido
abandonada. O riso não era de
escárnio. Mas se percebia que
aqueles acontecimentos por
vezes aflitivos poderiam muito
bem ser motivo de humor
-sem que o filme nada perdesse, antes pelo contrário.
O PASSADO
Direção: Hector Babenco
Produção: Argentina/Brasil, 2007
Com: Gael García Bernal, Analía Couceyro, Moro Angheleri
Onde: estréia hoje nos cines Reserva
Cultural, Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: regular
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