São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2007

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Cinema/estréias - Crítica/"O Passado"

Babenco se perde em drama

"O Passado", adaptação de livro do argentino Alan Pauls, tem situações de dramaturgia mal armadas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Tudo começa com uma festa em que são celebrados os 12 anos de casamento de Rímini (Gael García Bernal) e Sofía (Analía Couceyro). Não faltam os amigos sorridentes. Não falta o filme do casamento. Nem mesmo a comunicação surpreendente. "Já sei", diz a senhora que os escuta: "Vão ter um filho".
Se estavam casados havia 12 anos e não tinham filhos ainda, não era agora que iam começar. Todos na platéia sabemos. Só a senhora que não. Só ela se surpreende quando é informada de que eles vão se separar.
Separação feita com amizade e, da parte de Sofía, colaboração. Rímini logo encontra uma substituta. Um mulherão. Uma modelo que tem uma crise de ciúme com o namorado pelo celular, atirando-o no chão com violência. Apesar disso, o celular resiste -pois é um celular de cinema e porque as conveniências dramáticas assim o pedem. Rímini o devolve à garota, Vera (Moro Angheleri).
A ela devemos o primeiro momento em que o filme escapa à convenção. Sentada em uma mesa de café, ela faz um gesto com a mão e tira uma lente de contato do olho. Um gesto simples, cotidiano, mas que por alguma razão o cinema nunca registra. Uma pena que o filme não tenha muitos outros momentos assim. Com Vera começam os problemas de Rímini: ela é insegura, carente, ciumenta. Chata, em suma. Não quer ver Sofía nem em fotografia. Já Sofía faz questão de reaparecer, em fotos ou não. E surgirá em sua vida Carmen (Ana Celentano). Ou antes, ressurgirá, pois é uma antiga colega. Rímini se aproxima dela e tem em mãos mais uma situação que não controla.
Ele só se deixa levar. Se deixará levar em todas as situações ao longo do filme, talvez porque seja uma pessoa mal construída, talvez porque seu personagem beire a inexistência.
Vera desaparecerá com rapidez por culpa de seu ciúme e de um ônibus que aparece em uma situação dramaticamente bem mal armada. Não sentimos falta, mesmo porque com Carmen o romance esquenta, ele decide enfim ter um filho e, o que é pior, reencontra Sofía -seu inseparável passado.
Sofía é uma personagem bem demarcada do ponto de vista iconográfico: seu rosto e sua postura são excessivos. Carmen também: tudo nela sugere equilíbrio, racionalidade. Assim, não será surpreendente quando Carmen, após um episódio infeliz (e de novo mal preparado dramaticamente), decide divorciar-se de Rímini e impedi-lo de ver o filho.
Em resumo, ela resolve cair fora do filme. O que leva Rímini a cair em uma depressão sem fim que aprofunda a doença que já havia manifestado desde o início (e mortal para um tradutor): a perda de capacidade de compreender outras línguas. Essa forma de afasia corresponde à sua impossibilidade de tratar com as coisas da vida de um modo geral. A questão da linguagem não é abordada pelo filme de maneira mais detida.
As desventuras do protagonista prosseguem, e chega um ponto em que a platéia que acompanhava a pré-estréia em São Paulo começa a rir dos acontecimentos, embora a opção pelo drama não tenha sido abandonada. O riso não era de escárnio. Mas se percebia que aqueles acontecimentos por vezes aflitivos poderiam muito bem ser motivo de humor -sem que o filme nada perdesse, antes pelo contrário.


O PASSADO
Direção:
Hector Babenco
Produção: Argentina/Brasil, 2007
Com: Gael García Bernal, Analía Couceyro, Moro Angheleri
Onde: estréia hoje nos cines Reserva Cultural, Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: regular


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