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Globo "adestra" sotaques de atores para soar realista
Fonoaudióloga acompanha elenco da emissora para suavizar "erres" do interior ou preparar cariocas para novelas paulistas
Especialista é tutora de Grazi Massafera e Vera Holtz, que tentam amenizar o sotaque do interior para personagens cariocas
AUDREY FURLANETO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
"Ô, fia, tá boa? Vamo" entrando, vamo" entrando", diz a atriz
Vera Holtz, ao abrir a porta de
seu apartamento, no Rio de Janeiro. Já do lado de dentro da
casa, o que se ouve é uma seqüência de "erres" arrastados
-Vera Holtz, afinal, é de Tatuí.
E, fora da novela "Três Irmãs",
ela pode relaxar com o sotaque
do interior de São Paulo.
Em cena, não. Para fazer o
papel da vilã Violeta, rica e de
família tradicional, numa cidade "imaginária" e praiana no
Rio de Janeiro, ela precisou, digamos, suavizar os "erres" de
Tatuí. "Violeta é uma vilã clássica, quer defender família e
propriedade. Não queria ter o
filtro do sotaque", diz a atriz,
que já atuou em 16 novelas da
Globo -até então, sem "suavizar" tanto o jeito de falar.
"Estou numa novela de praia
no Rio, perto de surfistas. E deixei Tatuí em 1971. Moro no Rio
há 35 anos. Não ter mudado até
hoje é muito amor [carregando
no "erre'] pelo sotaque, né?"
Adestradora de sotaque
O fato é que a vilã Violeta ainda não arrasta as consoantes
como um carioca de origem,
mas os sons de Tatuí já não fazem tanto parte de sua fonética. "Você precisa colocar a língua mais perto dos dentes, sem
encostar no céu da boca", explica Vera, que faz treinamento
com a fonoaudióloga Maria Silvia Siqueira Campos.
Ela, aliás, cuida de sotaques e
"curvas melódicas" dos atores
da Globo há quatro anos -mas,
há 12 anos, começou a atender
atores de teatro, como Marcos
Caruso e Irene Ravache em
"Intimidade Indecente".
Na TV, a especialista em voz
e mestre em fonoaudiologia é
tutora de Grazielli Massafera
-original de Jacarezinho (PR),
no ar em "Negócio da China",
como uma jovem carioca-,
treinou Cléo Pires e Bruno Gagliasso -atores do Rio que estavam em novela com núcleo
paulista, "Ciranda de Pedra"-
e fez da carioca Camila Pitanga
uma doméstica no paulistano
Bexiga em "Belíssima" (2005).
"O importante é manter a essência do ator", diz a fonoaudióloga. "O ator tem a capacidade de manter e, ao mesmo tempo, limpar o sotaque."
Ao exemplo da atriz Grazielli
Massafera: "A primeira coisa
com a Grazi foi trabalhar a percepção auditiva dela, para ver
onde o sotaque é mais forte. E
era, justamente, no "erre" do interior. E ela tem uma coisa carismática, que às vezes cai para
o mineiro. São coisas que a gente vai suavizando".
E, depois de muito repetir as
falas, lá se foi o "erre" de Jacarezinho de Grazi Massafera.
Mas, defende a fono, "em nenhum momento, nem por parte da direção, nem por parte do
autor, ouve a decisão de fazer
dela uma carioca da gema".
Em alguns casos, quando a
novela tem núcleo em Minas
Gerais, caso de "Desejo Proibido" (2007), a fono chega a pedir
aos "alunos" que leiam Guimarães Rosa durante a aula, a fim
de se "ambientarem" na região.
Localizando a língua
O trabalho com o elenco começa dois ou três meses antes
da novela. Maria Silvia, depois,
vai ao Projac e, antes do "gravando", apara arestas nas falas
dos atores com que trabalha.
A dificuldade varia de acordo
com "a dedicação e a vontade"
do aluno, mas outros fatores,
como tempo de carreira, interferem. "Por exemplo, quando
se trabalha uma Camila Pitanga, todo mundo acha muito estranho outro sotaque. Teve
gente que achou que ela estava
forçada, mas todo mundo a conhece como Camila Pitanga
[imitando um carioca], morena, carioca, né? O fato de ela estar falando diferente causa estranhamento", conta.
"É uma questão também de
educação. A gente tem que
mostrar como é que se assiste a
uma novela, a um filme. Se não
a Camila Pitanga ia ser Bebel
[garota de programa de "Paraíso Tropical'] em toda novela."
Para não se "repetir" ou ter o
sotaque esperado em cada novela, o primeiro passo do ator
global, diz Maria Silvia, é "fazer
treinamento auditivo" -ou seja, ouvir o próprio sotaque e o
do personagem- e perceber o
posicionamento da língua.
A saber: ator de Tatuí, Jacarezinho ou de outras cidades do
interior tende a "enrolar" a língua na direção do céu da boca
para emitir o "erre"; o paulistano esconde a sua atrás dos dentes; os cariocas, enfim, "deixam
a língua no meio do caminho".
FOLHA ONLINE
Em podcast, a
fonoaudióloga Maria
Silvia ensina como mudar
de sotaque
www.folha.com.br/082975
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