São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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CRÍTICA

A rotina não tem seu encanto

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Antes de perguntar de onde vem o encanto de "Whisky", talvez seja o caso de indagar o porquê do título deste filme. É a palavra que as pessoas devem dizer quando tiram um retrato, para que apareçam sorridentes. E por que será preciso recorrer a esse estratagema para sair uma foto feliz? Bem, basta olhar para Jacopo Köller, casmurro proprietário de uma fábrica de meias em Montevidéu.
Quando o filme começa, Jacopo está prestes a colocar a lápide no túmulo de sua mãe. Para essa cerimônia, receberá a visita do irmão Herman, que vive no Brasil.
Jacopo parece carregar nos ombros todas as dores do judaísmo. Mas o filme não fala no assunto (felizmente, aliás), o que leva a pensar que talvez o judaísmo não explique tudo. Não explica mesmo, pois Herman é um tipo oposto. O que determina a deprê de Jacopo? Será o Uruguai, esse enclave espremido entre o Brasil e a Argentina? Talvez, não é certo.
Certo é que, para recepcionar o irmão, Jacopo decide fingir que está casado com Marta. Funcionária de confiança da fabriqueta, Marta parece tão morta quanto ele. A rotina, no caso deles, não tem encanto nenhum. Mas a entrada de Herman em cena vai alterar ligeiramente esse quadro.
Nem por isso o filme dirigido por Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll vai alterar sua tocada. É feito de pequenos acontecimentos, tornados grandes pela falta de algo melhor: uma persiana quebrada ou o ato de cantar num karaokê assumem uma dimensão surpreendente. Por que isso acontece? Estamos bem menos familiarizados com filmes em que mesmo feitos inusuais são absorvidos como se nada tivesse acontecido.
No entanto, não há nada de errado com essa segunda categoria: não faz diferença o fato de narrar muitos fatos ou poucos ou de eles serem heróicos ou líricos. O que importa é a qualidade da observação humana. E nesse aspecto este filme defende-se bem.
É verdade que, em certos momentos, o imobilismo psíquico de Jacopo tende a imobilizar o filme inteiro. É um risco que o filme corre (e do qual se livra graças a um sentido de atmosfera desenvolvido com delicadeza).
É preciso respeitar o filme que se apóia na distância entre a felicidade e o sorriso que surge nos lábios quando se pronuncia "uísque" e consegue imprimir nas imagens melancólicas essa terrível distância que a foto esconde.


Whisky
Whisky
   
Direção: Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll
Produção: Uruguai, 2004
Com: Jorge Bolani, Mirella Pascual, Andrés Pazos, Daniel Hendler
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Frei Caneca Unibanco Arteplex, Pátio Higienópolis e Top Cine



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