|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
A rotina não tem seu encanto
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Antes de perguntar de onde
vem o encanto de "Whisky",
talvez seja o caso de indagar o
porquê do título deste filme. É a
palavra que as pessoas devem dizer quando tiram um retrato, para que apareçam sorridentes. E
por que será preciso recorrer a esse estratagema para sair uma foto
feliz? Bem, basta olhar para Jacopo Köller, casmurro proprietário
de uma fábrica de meias em Montevidéu.
Quando o filme começa, Jacopo
está prestes a colocar a lápide no
túmulo de sua mãe. Para essa cerimônia, receberá a visita do irmão
Herman, que vive no Brasil.
Jacopo parece carregar nos ombros todas as dores do judaísmo.
Mas o filme não fala no assunto
(felizmente, aliás), o que leva a
pensar que talvez o judaísmo não
explique tudo. Não explica mesmo, pois Herman é um tipo oposto. O que determina a deprê de Jacopo? Será o Uruguai, esse enclave espremido entre o Brasil e a Argentina? Talvez, não é certo.
Certo é que, para recepcionar o
irmão, Jacopo decide fingir que
está casado com Marta. Funcionária de confiança da fabriqueta,
Marta parece tão morta quanto
ele. A rotina, no caso deles, não
tem encanto nenhum. Mas a entrada de Herman em cena vai alterar ligeiramente esse quadro.
Nem por isso o filme dirigido
por Juan Pablo Rebella e Pablo
Stoll vai alterar sua tocada. É feito
de pequenos acontecimentos, tornados grandes pela falta de algo
melhor: uma persiana quebrada
ou o ato de cantar num karaokê
assumem uma dimensão surpreendente. Por que isso acontece? Estamos bem menos familiarizados com filmes em que mesmo feitos inusuais são absorvidos
como se nada tivesse acontecido.
No entanto, não há nada de errado com essa segunda categoria:
não faz diferença o fato de narrar
muitos fatos ou poucos ou de eles
serem heróicos ou líricos. O que
importa é a qualidade da observação humana. E nesse aspecto este
filme defende-se bem.
É verdade que, em certos momentos, o imobilismo psíquico de
Jacopo tende a imobilizar o filme
inteiro. É um risco que o filme
corre (e do qual se livra graças a
um sentido de atmosfera desenvolvido com delicadeza).
É preciso respeitar o filme que
se apóia na distância entre a felicidade e o sorriso que surge nos lábios quando se pronuncia "uísque" e consegue imprimir nas
imagens melancólicas essa terrível distância que a foto esconde.
Whisky
Whisky
Direção: Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll
Produção: Uruguai, 2004
Com: Jorge Bolani, Mirella Pascual,
Andrés Pazos, Daniel Hendler
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Frei Caneca Unibanco
Arteplex, Pátio Higienópolis e Top Cine
Texto Anterior: Cinema: Farsa familiar move trama de "Whisky" Próximo Texto: Os homens do presidente Índice
|