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Os homens do presidente
João Moreira Salles e Eduardo Coutinho falam sobre a produção de seus filmes, que têm Lula como figura central
TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL
A estréia nacional hoje dos documentários "Peões", dirigido
por Eduardo Coutinho, 71, e "Entreatos", de João Moreira Salles,
42, coloca não apenas seus nomes
-já consagrados dentro do gênero- em destaque, mas acende
um holofote (ou uma fogueira,
dependendo do ponto de vista)
sobre o presidente Lula, que faz a
ponte entre os filmes.
Ele é a estrela de "Entreatos",
que mostra os bastidores da reta
final da campanha que o levou à
Presidência, e dínamo de "Peões",
que enfoca os companheiros de
Lula nas greves da região do ABC
no final dos anos 70.
Mesmo antes da estréia, os filmes já causam polêmica. Uma delas é o corte da entrevista com
Luiza de Farias, 66, a funcionária
da cantina do sindicato que disse
que "Lula bebia, sim", em
"Peões". Este é um dos episódios
abordados na entrevista que os
diretores concederam à Folha.
A ESCOLHA DE LULA
João Moreira Salles - Uma das
funções do documentário é testemunhar alguma coisa, é dizer: foi
assim. No caso do filme do Lula,
foi um pouco esse desejo. A campanha de Lula, caso ele vencesse
ou perdesse, seria histórica. Vencendo, foi a primeira vez que alguém da origem social do Lula
chegou à Presidência da República no Brasil. Isso é histórico, independe de qualquer julgamento
sobre sua capacidade de governar. Mas o fato de que ele pode ser
eleito é um dado novo na história
do Brasil. Se ele perdesse, seria
histórico também, seria a constatação de que alguém como o Lula,
com sua origem, não pode se tornar presidente no Brasil porque
há uma resistência intransponível. Havia aí um fato inequívoco,
único. E achei que era bacana poder ser uma testemunha disso.
Eduardo Coutinho - Nunca tenho
idéias como: "Farei um filme sobre o movimento sindical". Aquelas caras nas fotos da época é que
me interessavam. Quem são essas
caras? Ninguém é anônimo, né?
Me interessam o homem ordinário, a grande história e a pequena
história. E surgiu a possibilidade
de juntar isso. [O filme] não é sobre a greve. É sobre as pessoas que
têm uma trajetória que passou pelas greves. Lula está lá porque é o
grande líder.
ÉTICA COM O PERSONAGEM
Salles - A preocupação que você
deve ter com o personagem é a
mesma com todos, seja ele presidente, pianista, jogador de futebol, crente ou pastor de igreja. As
questões precisam ser discutidas
concretamente em cima de uma
imagem, de uma cena. Não é só o
que ele diz, mas como ele diz.
Uma mesma frase dita com humor pode significar uma coisa, dita com rancor, outra. Uma é permitida, a outra talvez não seja. É
um inferno ter que lidar com essas angústias, você não controla o
sentido das coisas. O que me interessa no Lula é sua ambigüidade,
o que me interessa em qualquer
personagem é o fato de ser complexo.
Coutinho - Ela [Luiza] poderia se
sentir traidora de um cara que admira, o Lula. Não foi um pedido
de ninguém [retirá-la do filme].
Apenas entendi que um troço dito
com inocência dois anos atrás
continua sendo inocente depois
da "denúncia" [a reportagem sobre os hábitos de beber do presidente, publicada pelo "New York
Times"]. Mas senti que ela poderia ser prejudicada, não por ser
traidora de classe, não por causa
do sindicato. Vai haver uma projeção lá [em São Bernardo do
Campo] e 50 pessoas que eu entrevistei foram convidadas. E
sempre vai ter esta reação: "Você
não deveria ter dito". Há dois
anos não era nada. É terrível que
isso se torne uma tempestade em
copo d'água. A reação incompetente do governo de criar um caso
é que tornou isso um assunto. Eu
não precisava proteger o Lula, ele
não precisa disso. Mas achava que
precisava protegê-la.
LULA E O PT
Salles - Eu não tenho nenhum
dever de guardar ou preservar
uma imagem do PT. Não filmei o
PT, filmei o Lula. A autorização
me foi dada por ele. Meu compromisso maior é com o Lula, não é
com o presidente. É com o personagem Lula, que é rigorosamente
igual ao meu compromisso com
qualquer personagem que eu tenha filmado até hoje. É claro que,
quando você está lidando com
uma pessoa que é o presidente da
República, determinadas coisas
ganham outro sentido. Ele dizer,
por exemplo, que toma uma pinga ganha outro sentido.
INFLUÊNCIA MÚTUA
Salles - As discussões com o
Eduardo me fizeram perceber
uma coisa óbvia. Mais que o tema,
o fundamental é pensar a maneira
de abordá-lo. Não existe bom documentário que não seja também
um raciocínio sobre o próprio documentário.
Exerço uma boa influência sobre o Eduardo: não deixar que ele
se suicide simbolicamente. Não
há um único filme em que o
Eduardo não me ligue dizendo:
"É uma desgraça, um horror".
Aconteceu no "Edifício Master".
Coutinho - Mas, um dia depois
do fim das filmagens do "Edifício
Master", eu encontrei o João e disse: "Se a gente passar 60% da experiência que a gente teve, vai ser
maravilhoso". Essa coisa de pessimismo é puro exorcismo. O dia
em que eu não reclamar estarei
morto.
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