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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Veterano diretor exibe "O Veneno da Madrugada", que fala sobre prefeito honesto às voltas com corrupção
Guerra une cine político e García Márquez
EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Um mar de lama, uma cidade
em meio a uma onda de revelações escandalosas. Não, não se
trata de Brasília e a série de denúncias que parece não ter fim
nem solução. Lama e revelações
estão, respectivamente, no cenário e enredo de "O Veneno da Madrugada", 15º filme de Ruy Guerra, que passa hoje na mostra competitiva do Festival de Brasília.
"Uma comparação com estes
escândalos seria meio forçada.
Em "O Veneno da Madrugada", o
lado político mais óbvio está no
tema: um prefeito incorruptível
[Leonardo Medeiros] às voltas
com a corrupção em uma pequena cidade, de um país em guerrilha, e a revelação sobre relações
pessoais, familiares e sexuais da
população. Mas o filme não morde a carne política de forma direta", diz Guerra, diretor de clássicos como "Os Cafajestes" (1962).
Em "O Veneno da Madrugada",
Guerra volta ao universo do escritor colombiano Gabriel García
Márquez, de quem já havia filmado três histórias: "Erêndira"
(1983), "A Fábula da Bela Palomera" (1988) e "Me Alugo para Sonhar"(1989). O novo longa é a primeira adaptação de um romance
de Gabo, "A Má Hora", um roteiro que exigiu mais de dez meses
de suor, escrito a quatro mãos
com Tairone Feitosa, e que privilegia seqüências longas.
"Foi trabalhoso, mas prazeroso.
Em duas semanas, já tinha a estrutura do roteiro. Mas eu queria
trabalhar muito o conceito do
tempo de uma forma não-habitual, algo que me seduz muito no
cinema. Tive de criar incidentes
novos e mudar os personagens, e
isto foi mais trabalhoso."
Deu trabalho também achar as
locações. Guerra viajou de norte a
sul do país, para terminar filmando em Xerém, na Baixada Fluminense, a apenas uma hora do Rio.
"Foram oito semanas muito difíceis porque a cidade foi inteiramente construída, havia a chuva
artificial, as caminhadas na lama.
Mas foi extremamente prazeroso.
Quase toda semana tirávamos fotos com a equipe, cantávamos em
coro, tudo isso apesar do clima
denso, duro e agressivo do filme."
Como "O Veneno" é uma co-produção com Argentina e Portugal, Guerra teve de incluir no elenco dois atores de cada país. Na escolha dos brasileiros, prevaleceram aqueles mais identificados
com o teatro, como Medeiros e
Juliana Carneiro da Cunha, além
dos estreantes na tela grande Nilton Bicudo e Rejane Arruda.
"Para os personagens mais velhos, escolhi Tonico Pereira, Zózimo Bulbul e Fábio Sabag, que é
um ator pouco usado. Para os
mais jovens, preferi atores menos
castigados pelas novelas. Não que
eu tenha preconceito, mas não
queria rostos muito marcados."
Único veterano de longas-metragens na disputa pelos Candangos, Guerra aproveita para elogiar
a nova safra do cinema nacional,
de Lírio Ferreira ("Árido Movie")
a Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus"), que "incorporam a cultura brasileira no cinema, e não se deixam seduzir por
modismos estrangeiros". Mas
ressalva que outros estão se submetendo demais à tentativa de
conquistar mercado com caça-níqueis. E avisa: "Os veteranos que
se cuidem, senão logo serão empurrados para a aposentadoria".
Em Brasília, Guerra diz que sua
expectativa maior é a de ser visto
pelos jovens "críticos e irreverentes" que costumam freqüentar o
festival. Anteontem à noite, esse
público riu e ovacionou o primeiro longa da mostra competitiva,
que tem a cara política do evento:
o documentário "À Margem do
Concreto", de Evaldo Mocarzel,
cujo ponto alto é uma ação de
ocupação em um prédio no centro de São Paulo, acompanhada,
sob bombas de gás lacrimogêneo
e pimenta, pelo diretor e equipe.
O jornalista Eduardo Simões viaja a convite do festival
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