São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FESTIVAL DE BRASÍLIA

Veterano diretor exibe "O Veneno da Madrugada", que fala sobre prefeito honesto às voltas com corrupção

Guerra une cine político e García Márquez

EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Um mar de lama, uma cidade em meio a uma onda de revelações escandalosas. Não, não se trata de Brasília e a série de denúncias que parece não ter fim nem solução. Lama e revelações estão, respectivamente, no cenário e enredo de "O Veneno da Madrugada", 15º filme de Ruy Guerra, que passa hoje na mostra competitiva do Festival de Brasília.
"Uma comparação com estes escândalos seria meio forçada. Em "O Veneno da Madrugada", o lado político mais óbvio está no tema: um prefeito incorruptível [Leonardo Medeiros] às voltas com a corrupção em uma pequena cidade, de um país em guerrilha, e a revelação sobre relações pessoais, familiares e sexuais da população. Mas o filme não morde a carne política de forma direta", diz Guerra, diretor de clássicos como "Os Cafajestes" (1962).
Em "O Veneno da Madrugada", Guerra volta ao universo do escritor colombiano Gabriel García Márquez, de quem já havia filmado três histórias: "Erêndira" (1983), "A Fábula da Bela Palomera" (1988) e "Me Alugo para Sonhar"(1989). O novo longa é a primeira adaptação de um romance de Gabo, "A Má Hora", um roteiro que exigiu mais de dez meses de suor, escrito a quatro mãos com Tairone Feitosa, e que privilegia seqüências longas.
"Foi trabalhoso, mas prazeroso. Em duas semanas, já tinha a estrutura do roteiro. Mas eu queria trabalhar muito o conceito do tempo de uma forma não-habitual, algo que me seduz muito no cinema. Tive de criar incidentes novos e mudar os personagens, e isto foi mais trabalhoso."
Deu trabalho também achar as locações. Guerra viajou de norte a sul do país, para terminar filmando em Xerém, na Baixada Fluminense, a apenas uma hora do Rio.
"Foram oito semanas muito difíceis porque a cidade foi inteiramente construída, havia a chuva artificial, as caminhadas na lama. Mas foi extremamente prazeroso. Quase toda semana tirávamos fotos com a equipe, cantávamos em coro, tudo isso apesar do clima denso, duro e agressivo do filme."
Como "O Veneno" é uma co-produção com Argentina e Portugal, Guerra teve de incluir no elenco dois atores de cada país. Na escolha dos brasileiros, prevaleceram aqueles mais identificados com o teatro, como Medeiros e Juliana Carneiro da Cunha, além dos estreantes na tela grande Nilton Bicudo e Rejane Arruda.
"Para os personagens mais velhos, escolhi Tonico Pereira, Zózimo Bulbul e Fábio Sabag, que é um ator pouco usado. Para os mais jovens, preferi atores menos castigados pelas novelas. Não que eu tenha preconceito, mas não queria rostos muito marcados."
Único veterano de longas-metragens na disputa pelos Candangos, Guerra aproveita para elogiar a nova safra do cinema nacional, de Lírio Ferreira ("Árido Movie") a Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus"), que "incorporam a cultura brasileira no cinema, e não se deixam seduzir por modismos estrangeiros". Mas ressalva que outros estão se submetendo demais à tentativa de conquistar mercado com caça-níqueis. E avisa: "Os veteranos que se cuidem, senão logo serão empurrados para a aposentadoria".
Em Brasília, Guerra diz que sua expectativa maior é a de ser visto pelos jovens "críticos e irreverentes" que costumam freqüentar o festival. Anteontem à noite, esse público riu e ovacionou o primeiro longa da mostra competitiva, que tem a cara política do evento: o documentário "À Margem do Concreto", de Evaldo Mocarzel, cujo ponto alto é uma ação de ocupação em um prédio no centro de São Paulo, acompanhada, sob bombas de gás lacrimogêneo e pimenta, pelo diretor e equipe.


O jornalista Eduardo Simões viaja a convite do festival

Texto Anterior: Livros - Romance: Ficção em ritmo de "thriller" discute o preconceito racial
Próximo Texto: Dança: Espetáculo rima flamenco com poesia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.