São Paulo, domingo, 27 de março de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Atrás das grades

Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
Michel Ferreira fala para 500 moradores de bairros nobres de SP


Quinhentos síndicos de prédios de alto padrão de SP se reuniram na semana passada, no hotel Caesar Business, na Vila Olímpia, para um curso sobre como aumentar (ainda mais) a segurança de seus condomínios. Um dia antes, 70 zeladores e porteiros assistiram a uma palestra sobre o mesmo tema no Secovi, o sindicato da habitação. Os dois grupos saíram levando nas mãos uma espécie de "manual de guerra" para enfrentar o "inimigo", que pode atacar a qualquer momento e de forma inesperada: os assaltantes que invadem os condomínios da cidade.
 
Algumas das orientações recebidas pelos síndicos e porteiros:
* A guarita dos prédios deve ser fechada, blindada, trancada, aparelhada com ar-condicionado, película escurecida, passa-documentos, e clausura (o famoso chiqueirinho, espaço entre dois portões);
* Funcionários devem ser contratados depois de análise de antecedentes criminais. Pessoas endividadas não devem ser contratadas;
* O ideal é que os muros dos prédios tenham 3 m, para gerar "boa sensação de segurança". O melhor sensor para a detecção de invasão é o de infravermelho, que é invisível;
* Moradores e funcionários devem definir códigos de emergência, ou seja, sinais, luzes, sons, gestos e palavras que identifiquem situações de risco.
* As senhas devem ser modificadas periodicamente, evitando que sejam passadas a criminosos por ex-empregados. De acordo com o Secovi, 47% das invasões de condomínios tiveram a participação de funcionários ou ex-funcionários.
 
Os síndicos passaram as quase duas horas da palestra de Michel Ferreira, consultor de segurança da Lello, com os olhos pregados nele e fazendo anotações. Depois da fase de roubos a bancos e de seqüestros, a cidade assiste ao auge das invasões aos condomínios, diz o Secovi. Foram 30 registros de assaltos no ano passado e sete neste ano. Cada arrastão rendeu aos criminosos, em média, R$ 35 mil.
 
Ferreira acha que o jeito é cada um cuidar de si. "Se são cinco ou dez roubos por mês... o que interessa é que o "meu" condomínio não esteja na estatística", disse ele aos síndicos de bairros como Moema, Morumbi, Vila Mariana e Perdizes.
 
O comportamento de funcionários e moradores, explicou Ferreira, é tão fundamental quanto a aparelhagem de segurança. Os porteiros, por exemplo, devem manter entregadores à distância. Encomendas devem ser colocadas na clausura. Os convidados e amigos dos moradores, ainda que cheguem ao prédio com um dos condôminos, devem ser impedidos de entrar até que exibam seus documentos. "Podem ser seqüestradores disfarçados", disse.
 
Se estiverem dentro do carro com o morador, devem ser obrigados a descer e se identificar -só os condôminos devem ter acesso à garagem.
 
Jose Fleichmann, síndico do Morumbi, levanta a mão: "Acho tudo isso utópico. Os moradores não cumprem essas regras". Ferreira explica: "Vocês devem convencê-los de duas formas: pelo amor ou pela dor, punindo com multas se preciso".
 
Fleichmann conta que os prédios de seu quarteirão se uniram contra o "inimigo". Dividiram os custos -R$ 10 mil mensais -de seguranças que patrulham a rua e construíram guaritas que ficam uma de frente para a outra. Assim, o vigia de um prédio pode perceber com mais facilidade o assalto no prédio da frente e acionar ajuda policial.
 
Juvenal Pereira, gerente predial de um edifício no Morumbi, vai seguir a orientação de obrigar o visitante que chega no carro com um morador a descer e se identificar. Era uma das poucas providências que ele ainda não tinha adotado em seu prédio, que tem 15 câmeras, sensores de infravermelho e portões que só se abrem quando o morador digita uma senha de quatro números. A rua ainda é patrulhada e a guarita, blindada, está conectada às dos prédios vizinhos por um sistema de rádio.
 
Pereira segue à risca uma regra de ouro do "manual de guerra": a guarita do prédio tem banheiro, água e ar-condicionado. O vigilante se sente seguro e confortável, não se ausentando sob qualquer pretexto e conseguindo "usar o mecanismo para acionamento de apoio externo" em emergências.
 
"Tratar bem os funcionários é fundamental para a segurança. Eles não podem ter raiva dos moradores", diz o engenheiro José Augusto da Silva. Síndico de condomínio da Vila Mariana, ele distribuiu ovos de chocolate para porteiros e faxineiros na semana passada. "Eles devem ser gratos e fiéis a você."
 
Devem também ter certeza de que não vão perder o emprego se seguirem os procedimentos de segurança à risca, irritando às vezes alguns moradores. O manual do Secovi lembra do caso de uma gangue que colocou um cone de trânsito em frente à garagem. O porteiro abandonou a guarita, abriu o portão do prédio e foi retirar o clone, temendo levar bronca de um morador. O edifício acabou invadido por mais de 20 ladrões.
 
No curso do Secovi, os zeladores foram orientados a dar extrema importância ao recrutamento de pessoal. "Adianta contratar um cara que está quebrado, com dívidas? A pessoa vai trazer o problema dela para o condomínio", disse Guilherme Ribeiro, diretor do Secovi, em sua palestra. Genilda Sá, gerente de um prédio em Osasco, discordou. "A pessoa não está endividada porque quer." Ribeiro insistiu na medida: "Não sou o Lula, que prometeu 10 milhões de empregos. Precisamos contratar gente boa".
 
A decoradora Anelise Gonçalves, síndica de um prédio de 20 andares em Moema -com um apartamento por andar- decidiu blindar a guarita do prédio depois de assistir ao curso. Ela já estava construindo uma segunda clausura no condomínio, que tem cerca elétrica, holofotes para iluminar a rua e "botão de pânico" na guarita. Ainda assim, o medo é grande. Há dois meses, um morador foi assaltado dentro do carro em frente à portaria, ao meio-dia de um domingo. "Ele teve que implorar para que não levassem as crianças" conta Anelise. O prédio, diz ela, nunca foi invadido. "Mesmo assim, temos medo o dia inteiro."

Manual de sobrevivência

A surpresa é a grande arma dos assaltantes que invadem condomínios. "Acabou o tempo em que o marginal pulava o muro", diz o "Manual de Segurança" do Secovi. "Ele rouba o controle remoto, clona veículos, rende o morador do lado externo ou finge ser um entregador de encomendas ou um prestador de serviços". Abaixo, um resumo de dicas de segurança feitas também por um manual elaborado pela administradora Lello:
 
1) Crachás e cartões magnéticos para permitir a entrada de moradores podem ser roubados. O ideal é instalar sistemas de controle de acesso como o hand-key, que identifica a largura e a espessura das mãos do morador, a leitura de impressão digital ou a leitura de íris;
2) Os moradores devem evitar rotinas com relação a horários e hábitos, alternando, se possível, as ruas utilizadas para chegar em casa;
3) O prédio tem que ser bem iluminado na parte de fora, mas a iluminação interna deve ser a menor possível, para dificultar a observação e a locomoção do invasor no interior do local;
4) As portas devem abrir de dentro para fora, facilitando a evasão e dificultando o arrombamento, e não o contrário, como normalmente ocorre;
5) Os síndicos devem enviar falsos entregadores ou mesmo falsos moradores para testar a eficiência dos porteiros e vigias, que não devem deixá-los entrar facilmente no prédio;
6) Holofotes, alarmes, câmeras e iluminação precisam ser instalados. O melhor sensor é o infravermelho, invisível para os assaltantes. A cerca eletrificada é ostensiva e retarda a invasão;
7) Os condomínios devem fazer reuniões periódicas de segurança, com simulação de situações de risco para se detectar falhas de funcionários e moradores;
 
O manual do Secovi, no entanto, avisa: "Não existe no mundo uma segurança intransponível".


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