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Antônio Abujamra libera o "veneno"
NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba
Antônio Abujamra, 66, fala palavrões sem parar. Engraçado, abusado, ele tira risos da própria falta
de elegância, como diz em entrevista.
Mas basta cortar os palavrões,
como foi feito nos trechos publicados, para o diretor surgir mais para o tragicômico fatalista do que
para o bufão.
E para "O Veneno do Teatro",
monólogo confessional que ele estréia amanhã, às 24h, no festival de
Curitiba, surgir mais como um
louvor aos artistas do teatro do
que uma coleção de "venenos"
sobre os mesmos.
Quando deu entrevista, Abujamra nem tinha o espetáculo definido. Vai sentar-se diante do público e falar. Lembrar passagens e
influências importantes em seu
trabalho, como o poeta João Cabral de Melo Neto e a atriz Glauce
Rocha.
Também amanhã, Abujamra faz
a primeira das duas apresentações
de "Auto da Compadecida", de
Ariano Suassuna, que dirigiu e já
apresentou no Rio.
Folha - Por que "veneno"?
Antônio Abujamra - Eu uso a
palavra "veneno", mas não sei se
está certa. É uma droga que quando pega, quando entra em você,
não adianta mais querer ser outra
coisa. Você acha que eu vou fazer
outra coisa na minha vida? Eu dirigi 90 peças até hoje. Uns 80 grandes fracassos. Os grandes fracassos
no teatro brasileiro são do Abujamra.
Ninguém me conhecia, mas,
quando eu faço Ravengar na televisão, o Brasil pára. O Brasil é assim. O Brasil é um lixo. E eu sou
um cara que nasceu em Ourinhos,
sem dinheiro.
O dinheiro que eu ganho, eu jogo
em cavalos. A vida é causa perdida
para mim, mesmo.
Folha - Do que você vai falar na
peça?
Abujamra - Eu vou contar as
minhas coisas. Por exemplo, eu
não aguento mais falar com estudante. Eu não aguento mais, estou
velho. Envelheçam, como pediu o
Nelson (Rodrigues). Não quero
mais saber, não quero ver primeira
peça de diretor, quero ver a sexta
peça. Não é nariz empinado,
não. É porque
neste país... A
minha geração
de diretores é a
única. Depois,
não apareceu
nenhuma, não
há mais uma
geração. A
"soit disant"
revolução acabou com a possibilidade de gerações.
É o que eu quero que essa garotada perceba. Tem que fazer geração.
Nós, Antunes (Filho), o falecido
Ademar (Guerra), Amir Haddad,
Zé Celso, (Augusto) Boal, temos
uma cumplicidade sem palavras.
Ninguém vai falar mal do Antunes
para mim, do Boal. Há uma cumplicidade. Os diretores jovens fazem uma peça e desaparecem. A
culpa não é deles. É do Brasil. Eu
vou ver a sexta peça, porque
tem-se que fazer essa opção de ir
até o fundo de ser diretor. Tem-se
que ir até o fundo.
Folha - Em "O Veneno do Teatro"
você está sozinho no palco?
Abujamra - Sozinho não. Eu e o
demônio, o demônio ao lado. Eu
tinha pensado, para este espetáculo, eu, uma mesinha, um mapa para falar das viagens. E comecei a
conversar com as pessoas. A minha sobrinha, Márcia, disse: "Tio,
isso é Spalding Gray". Aí Chico
Medeiros, "é Spalding Gray".
"Mas quem é?" Aí eu consigo um
vídeo, "Swimming to Cambodia",
que eu achei fantástico. Só que ele
tem a liberdade americana. A minha liberdade é brasileira. Ele tem
elegância. Eu não quero ter elegância.
Folha - Você já tem um texto fechado ou vai improvisar?
Abujamra - Eu tenho um roteiro. Da minha cabeça, como ela foi
se formando. Os anos na Europa,
até descobrir a minha cabeça. A
viagem pelo norte da África, sem
dinheiro, sem nada. Em Marselha,
com fome, sem um tostão. Fiquei
na casa do João Cabral de Melo Neto e todo mundo passava, Haroldo
de Campos vinha de entrevistar o
Ezra Pound. E eu lá, um garoto
maravilhado.
O João me colocou uma postura
que até hoje eu não deixo, que é a
postura de ser concreto, não entrar nada do abstrato no trabalho
artístico. O João foi um dos que fizeram a minha
cabeça se organizar. Mas eu
ainda era jovem, ainda
pensava em sonho. Hoje eu já
acho que sonho não deve
passar de uma
noite, acabou.
A esperança
acabou com a América Latina.
Folha - Quem mais?
Abujamra - O (Roger) Planchon, que era o diretor brechtiano
mais importante da época. Acompanhei a sua montagem de "As Almas Mortas", do Gogol, com tradução do Arthur Adamov, que ficou um grande amigo meu. Adorava ele. Ele se matou pondo a cabeça no forno. Depois de (Bertolt)
Brecht e de Thomas Bernhard, é o
maior autor do século. É fantástico. O Brasil ainda não viu nada do
Adamov. É uma Bósnia cultural.
Eu estou criando o "Veneno do
Teatro" agora. Não posso esquecer
de falar do Adamov.
Folha - Você não vai falar da sua
carreira no teatro?
Abujamra - Eu me lembro.
Quando comecei a carreira, eu dirigi "Raízes", com a Cacilda (Becker). Eu tinha falado mal de um
crítico e aí a crítica toda veio de
pau em cima de mim, o Décio (de
Almeida Prado), o Sábato (Magaldi). Me arrebentaram, e o espetáculo era ótimo. Uma frase que eu
digo sempre e vou falar no "Veneno" é assim: "Sou um aluno de
teatro, não tenho nada a ver com a
crítica". E uma do Bernard Shaw:
"Quem sabe faz, quem não sabe
ensina. Quem não sabe ensinar, vira crítico".
Folha - E os seus fracassos?
Abujamra - "José, do Parto à
Sepultura", do Boal. Fracasso absoluto. O Zé Celso me convidou
para dirigir, eu todo brechtiano
quando eles estavam stanislavskianos. Só o Jô Soares gostou. Mas
o Zé, com a classe dele, falou numa
revista cubana, anos depois, que o
Oswald de Andrade dele foi um
produto de eu ter estado no Oficina. Isso foi lindo. Eu também fiz
uma adaptação de "Fuenteovejuna", do Lope de Vega. Muita gente,
um palco giratório. Fracassou feio.
Aí fiz "Terror e Miséria do Terceiro Reich", do Brecht, que tinha
o dobro de gente no palco. E Glauce (Rocha).
Folha - Ela foi a sua grande atriz.
Abujamra - Ela fez "Electra" comigo em 65 e a polícia foi em cima.
Foi lá para prender o autor. Sófocles. Saiu até no "New York Times". Falando do veneno do teatro, a Glauce não conseguia ter filho. Ficava grávida e perdia, ficava
grávida e perdia. Estava de seis meses, veio para mim e falou: "Eu
quero trabalhar". "Não, eu não
vou ser o culpado de você perder o
bebê." "Eu quero, eu quero." Então fizemos "A Judia". Que coisa
maravilhosa. Os críticos da época
faziam fila para ver a Glauce nos
ensaios.
Um dia eu estou no Jóquei Clube
e me acham para dizer que ela tinha perdido o bebê e estava num
hospital na Penha. Fui eu lá. Eu
abri a porta, acho que ela viu alguma coisa na minha cara, eu era
muito jovem. Ela falou: "Calma,
Abujamra, calma. Agora é só apertar o vestido um pouco aqui e eu
continuo a peça". Eu caí desmaiado. É o veneno do teatro.
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