São Paulo, sexta, 27 de março de 1998

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O ROTEIRO
Um jogo de enganos

da Reportagem Local

O roteirista e diretor americano Neil LaBute estudou no Royal Court, o teatro dos novos autores em Londres, de onde tem surgido uma dramaturgia de verborragia abusiva, cruel. Escreveu e adaptou peças, como "Woyzeck".
Escreveu um filme como uma peça. Seu modelo foi a comédia da Restauração, período (1660/1700) de reflorescimento do teatro, pós-elizabetano. "Na Companhia de Homens" quer ter a forma dos cinco atos do teatro de então e é uma comédia de costumes, uma "black comedy", com diálogos carregados de ironia.
É uma estrutura tradicional, num filme que poderia, de fato, ser uma peça. LaBute foi comparado a David Mamet, dramaturgo que igualmente arrisca seus filmes, também por isso -pelo eco do teatro na tela grande.
Outro motivo é que LaBute, no filme, trata de um tema caro a David Mamet: a identidade masculina em tempos de cerco feminista, da ordem politicamente correta. Ao menos é o que o roteiro aponta, à primeira vista.
Dois amigos jovens e engravatados, colegas de escola e agora de uma empresa, decidem vingar-se do gênero feminino, que supostamente os oprime, seduzindo e abandonando uma mulher. É o que Chad propõe a Howard, no momento seu superior, e é o que fazem no correr do filme.
Mas Howard se envolve, confunde-se no escritório e acaba apaixonado -e rebaixado. Chad toma o seu lugar. E revela-se que não é do homem "oprimido" que Neil LaBute trata, afinal.
Ele diz, na edição do roteiro em livro: "Eu amo a idéia de induzir as pessoas e depois voltar-me sobre elas... Eu não acho que o sexismo jamais tenha, necessariamente, desaparecido".
"Na Companhia de Homens" é brilhante ao enganar o espectador masculino, como Chad engana Howard. Faz com que acredite que é preciso reagir ao cerco feminino, que nós, pobres homens, somos uma minoria ameaçada. E depois se volta contra nós.
A última cena (o sorriso canalha de Chad, com a cabeça de uma mulher entre as suas pernas) não poderia ser mais significativa, na mensagem de que o poder segue patriarcal. (NELSON DE SÁ)



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