|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O Lutador" torna-se um "Rough Guide" de Belfast
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Menos que um filme sobre as
venturas e desventuras de um boxeador -e metáfora da condição
humana, como em "Touro Indomável", de Scorsese, por exemplo-, "O Lutador", novo filme
da dupla Jim Sheridan e Daniel
Day-Lewis ("Em Nome do Pai",
"Meu Pé Esquerdo"), é, outra vez,
um vôo sobre o IRA.
Sheridan lança mão de uma figura mítica, a do boxeador, cujo retorno da prisão irá colocar em
ação a maquinaria de um engenhoso argumento, uma espécie de
"Rough Guide" de Belfast.
Assim como no programa televisivo de turismo social do canal de
TV paga GNT, o que está em jogo é
mostrar uma espécie de "Como
Sobreviver" em Belfast.
Dividida até hoje em dois setores
-o católico e o protestante-,
com acessos proibidos aos grupos
rivais e permanentes escaramuças
e mortes, a capital da Irlanda do
Norte não é o lugar mais seguro no
mundo para se viver.
A volta de Danny Flynn (Lewis),
seu reencontro com o antigo treinador, o agora alcoólatra Ike, e o
sonho cumprido de reabrirem o
velho ginásio "ecumênico" - que
havia ido à lona com o êxodo de
seus alunos protestantes- contraria as pretensões de um dirigente local do IRA.
Além do perigo ecumênico
-Harry (Gerard McSorley) acredita na força, não no diálogo, como forma do IRA atingir seus objetivos-, Flynn retomará seu antigo namoro com Maggie (Emily
Watson), ferindo o que parece ser
um dos mais ferrenhos códigos de
ética da organização.
Maggie é casada e tem um filho
com um militante preso (apresentado como "melhor amigo de
Flynn").
Nem os protestantes parecem
ser mais odiosos para um católico
do que aquele que flerta -eu não
disse prevarica- com uma "viúva" do Exército Republicano Irlandês.
Visão coletiva
Flynn acha honestamente que
seu lugar é entre os católicos de
Belfast, mas hesitará, tentará
umas brigas em Londres -ele
abandona dramaticamente uma
no meio, "lembrando" que sua
luta não é aquela- e arrisca passear com Maggie no lado protestante de Belfast.
Mas o destino do herói trágico é
retornar, ainda que para o seu
próprio fim, o que parece próximo
de acontecer.
Dito dessa maneira, sugere-se
um Lewis novamente às voltas
com um personagem supra-humano, como o Gerry de "Em Nome do Pai".
Mas, diferentemente desse,
Flynn é apenas mais um numa cidade impossível. Tal visão coletiva, oculta num personagem forte
como soem ser os boxeadores no
cinema, é o grande trunfo de "O
Lutador". Não deve ser à toa o sobrevôo sobre Belfast pouco antes
dos créditos.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|