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COMIDA
Preteridos, peixes brancos não têm especificação no cardápio e são reduzidos a categoria enigmática
A farsa do peixe branco
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Outro dia declarei aqui minha
implicância com o filé mignon
(ou a forma como os restaurantes
escravizam-se a esse corte) e
anunciei que outras viriam. Hoje
continuo meus desabafos, bradando desta vez que detesto
"sushi de peixe branco" -ou,
mais precisamente, os restaurantes japoneses que reduzem tudo o
que não é salmão e atum à mesma
categoria. Como se "peixes brancos" fossem todos iguais e como
se fosse indiferente para o cliente
saber quais os peixes disponíveis.
Como no caso da ditadura do filé mignon, esse menosprezo pelos
peixes de carne clara é em parte
alimentado por restaurantes preguiçosos e em outra parte por um
vício da clientela, constituindo
um ciclo vicioso: grande parcela
do público dispensa tudo o que
não for salmão e atum, sendo o
salmão, disparado, o mais pedido.
E, no entanto, o campeão de popularidade aqui é considerado
uma excrescência na terra do
sushi. "Aqui no Japão, nenhum
sushi-bar que se preze se atreve a
oferecer salmão", relata a chef
brasileira radicada em Tóquio
Mari Hirata, 46. "As ovas do salmão são valorizadas, mas sua carne só se encontra em restaurantes
baratos, onde os sushis são expelidos de uma esteirinha giratória."
"Aqui no meu restaurante, mais
de 50% do sushi pedido é de salmão", diz, um pouco horrorizado, o discreto Toshio Tanaka, 56,
do restaurante que leva seu sobrenome. "Mas, quando vem um japonês ou alguém que conhece
bastante e me pede para montar o
sushi ou sashimi, nem mando salmão", diz Tanaka, que observa
dois extremos: aqueles que pedem um combinado "sem peixe
branco" e aqueles que exigem "de
tudo, menos salmão".
"Mesmo sendo salmão congelado, ele é muito pedido no lugar de
peixes brancos frescos", diz o
também japonês Shundi Kobayashi, 57, do restaurante Shundi
& Tomodachi. Como Tanaka, ele
considera que os melhores sushis
e sashimis são derivados do atum
-que, por sinal, tampouco é um
peixe sempre igual: há variedades
e cortes muito distintos, como o
famoso toro, extraído da barriga
do peixe gordo, rico em gorduras
e com consistência inigualável.
Os sushi-bares mais tradicionais no Japão servem uma seqüência de sushis em que os "peixes brancos" são brindados tanto
quanto outros produtos. Aliás,
muito do que aqui no Brasil é colocado na categoria geral de branco, no Japão seria considerado
peixe azul ou brilhante (por sua
aparência externa) -como a cavalinha, a sardinha, o olho-de-boi
(que tem a carne rosada). "Nos lugares que servem o tradicional
sushi da região de Edo (parte antiga de Tóquio, perto do mar), as
pessoas não pedem este ou aquele
peixe, mas sim "o que tiver hoje de
melhor'", diz Mari. "O sushiman
provavelmente fará uma seqüência onde entrarão dois tipos de
atum, dois peixes brancos [especialmente o linguado], um tipo de
lula, um olho-de-boi, um camarão, um "peixe-azul", dois moluscos [como vieira, abalone], uma
enguia, ouriço-do-mar ou ovas de
salmão e uma omelete." Ou seja,
só duas etapas terão atum, nenhuma terá salmão e quatro terão
peixes de carne clara.
E não faltam bons peixes brancos, bem diferentes entre si, para
serem experimentados no Brasil.
"Tenho encontrado um robalo
maravilhoso que vem de Parati",
diz Tanaka, que também prepara
em seu restaurante namorado,
garoupa e olho-de-boi.
Shundi diz que um peixe do
Nordeste brasileiro, o agulhão,
vem conquistando a clientela, para a qual ele serve também olho-de-boi, carapau, linguado e pargo.
Uma oferta que ajuda a quebrar a
simplificação que torna todo peixe igual, quando, na verdade, até
um mesmo peixe como o atum
pode ter facetas tão diferentes.
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