São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 2006

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COMIDA

Preteridos, peixes brancos não têm especificação no cardápio e são reduzidos a categoria enigmática

A farsa do peixe branco

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Outro dia declarei aqui minha implicância com o filé mignon (ou a forma como os restaurantes escravizam-se a esse corte) e anunciei que outras viriam. Hoje continuo meus desabafos, bradando desta vez que detesto "sushi de peixe branco" -ou, mais precisamente, os restaurantes japoneses que reduzem tudo o que não é salmão e atum à mesma categoria. Como se "peixes brancos" fossem todos iguais e como se fosse indiferente para o cliente saber quais os peixes disponíveis.
Como no caso da ditadura do filé mignon, esse menosprezo pelos peixes de carne clara é em parte alimentado por restaurantes preguiçosos e em outra parte por um vício da clientela, constituindo um ciclo vicioso: grande parcela do público dispensa tudo o que não for salmão e atum, sendo o salmão, disparado, o mais pedido.
E, no entanto, o campeão de popularidade aqui é considerado uma excrescência na terra do sushi. "Aqui no Japão, nenhum sushi-bar que se preze se atreve a oferecer salmão", relata a chef brasileira radicada em Tóquio Mari Hirata, 46. "As ovas do salmão são valorizadas, mas sua carne só se encontra em restaurantes baratos, onde os sushis são expelidos de uma esteirinha giratória."
"Aqui no meu restaurante, mais de 50% do sushi pedido é de salmão", diz, um pouco horrorizado, o discreto Toshio Tanaka, 56, do restaurante que leva seu sobrenome. "Mas, quando vem um japonês ou alguém que conhece bastante e me pede para montar o sushi ou sashimi, nem mando salmão", diz Tanaka, que observa dois extremos: aqueles que pedem um combinado "sem peixe branco" e aqueles que exigem "de tudo, menos salmão".
"Mesmo sendo salmão congelado, ele é muito pedido no lugar de peixes brancos frescos", diz o também japonês Shundi Kobayashi, 57, do restaurante Shundi & Tomodachi. Como Tanaka, ele considera que os melhores sushis e sashimis são derivados do atum -que, por sinal, tampouco é um peixe sempre igual: há variedades e cortes muito distintos, como o famoso toro, extraído da barriga do peixe gordo, rico em gorduras e com consistência inigualável.
Os sushi-bares mais tradicionais no Japão servem uma seqüência de sushis em que os "peixes brancos" são brindados tanto quanto outros produtos. Aliás, muito do que aqui no Brasil é colocado na categoria geral de branco, no Japão seria considerado peixe azul ou brilhante (por sua aparência externa) -como a cavalinha, a sardinha, o olho-de-boi (que tem a carne rosada). "Nos lugares que servem o tradicional sushi da região de Edo (parte antiga de Tóquio, perto do mar), as pessoas não pedem este ou aquele peixe, mas sim "o que tiver hoje de melhor'", diz Mari. "O sushiman provavelmente fará uma seqüência onde entrarão dois tipos de atum, dois peixes brancos [especialmente o linguado], um tipo de lula, um olho-de-boi, um camarão, um "peixe-azul", dois moluscos [como vieira, abalone], uma enguia, ouriço-do-mar ou ovas de salmão e uma omelete." Ou seja, só duas etapas terão atum, nenhuma terá salmão e quatro terão peixes de carne clara.
E não faltam bons peixes brancos, bem diferentes entre si, para serem experimentados no Brasil. "Tenho encontrado um robalo maravilhoso que vem de Parati", diz Tanaka, que também prepara em seu restaurante namorado, garoupa e olho-de-boi.
Shundi diz que um peixe do Nordeste brasileiro, o agulhão, vem conquistando a clientela, para a qual ele serve também olho-de-boi, carapau, linguado e pargo. Uma oferta que ajuda a quebrar a simplificação que torna todo peixe igual, quando, na verdade, até um mesmo peixe como o atum pode ter facetas tão diferentes.


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