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NINA HORTA
Os escritores e uma linda galega
Bem , alguém que escreve sobre comida precisa ler sobre
comida, comer em restaurante,
cozinhar, provar, assistir a programas de TV do mundo todo,
pesquisar na internet, debruçar-se sobre guias.
Uma crônica por semana não
permite devaneios, exige trabalho
contínuo e preocupação, e você,
ali refestelada no sofá, lendo uma
antologia crítica de poemas da
Camille Paglia? Tem cabimento?
Uma mulher que com certeza
nem um ovo sabe fritar...
Aí, vai se introduzindo a deformação profissional, e a cozinheira
de plantão começa a peneirar o
que poderia servir aos leitores.
Até que o título do livro da Paglia
daria inspiração para o nome de
outro livro, desta vez de comida.
"Break, blow, burn!" É um verso
de John Donne, bravo, bravíssimo, brigando com Deus, acaba
comigo, me quebra, me arrebenta, me assopra, me queima, me renova, me faz outro, me arranca do
fogo, me transforma.
Nas devidas proporções, quebrar, assoprar, queimar e transformar é o que fazemos aos ingredientes mais rebeldes até chegar
ao prato feito. Link estabelecido,
continuamos a leitura com menos
problemas.
De vez em quando, o esforço é
grande para achar a comida de cada dia num livro qualquer, não é
como ler Proust ou Nava, fontes
preciosas.
Estou sempre às voltas com Virginia Woolf, já falei muito nela,
vou voltar a falar, mas agora inventaram que era anoréxica, nem
tanto ao mar nem tanto à terra.
Desajeitada era. Quando se casou,
foi fazer um curso de cozinha e assou o anel no bolo. Mas até que
gostava de uma comidinha boa,
não fosse ter passado por duas
guerras, cupons de racionamento, falta de víveres, empregadas
rebeldes.
E, nos livros, há sempre um jantar antológico, ou um boeuf em
daube... "Um triunfo", disse Bankes, baixando a faca por um instante. Havia comido atentamente.
Um prato forte, mas tenro, feito
na perfeição...
"É uma receita francesa da minha avó", explicou a senhora
Ramsay. Claro que era francesa. O
que passava por comida na Inglaterra era abominável. (Todos concordaram.) Repolho cozido n'água. Rosbife duro como sola de
sapato. E o desperdício das deliciosas cascas dos legumes...
Leopold Bloom desconfiava de
alho, e alguns livros de receita da
época pedem que, para dar sabor,
se esfregue um alho na saladeira.
Na mesma época, as cozinheiras
ajuizadas, em vez de ler Joyce,
liam Elizabeth David (prosa maravilhosa, acreditem) e ganhavam
o seguinte conselho: "O puritanismo grotesco e a falta de respeito
com a qual o alho é tratado neste
país levam à superstição de que
esfregar a vasilha da salada é o
bastante. É claro que isto depende
do que se vai comer: as folhas ou a
vasilha".
E, por falar nestas coisas que
dão sabor às comidas mediterrâneas, os alhos, as cebolas, os pimentões, tenho aqui no bolso um
endereço imperdível, nada literário. Uma galega linda que faz comida boa e é especialista no que
há de mais gostoso, que é um fideuà (um tipo de paella feita de
macarrãozinho fino e lotada de
frutos do mar). Do lado, um aiolli
que dá o tchan, levanta o prato às
alturas. Gosto de ver a menina cozinhando em frente aos convidados (para menos de 40 pessoas
não vale muito a pena). A graça
está nisso, o cheiro, a transformação e o clímax coroado pela fome,
com aqueles camarãozões por cima, com casca e tudo. Prato único, demora umas duas horas e vira o leitmotiv da festa. E os telefones da Sandra Picos são 0/xx/11/
3032-0666 e 0/xx/11/7415-5059.
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