São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

Sessão de longa que reconstitui ação do 11 de Setembro tem clima pesado

Estréia de "Vôo 93" vira psicodrama

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Foi como assistir à reconstituição policial de um assassinato ao lado dos parentes da vítima. A estréia mundial de "Vôo 93" ("United 93"), primeira produção hollywoodiana de peso a tratar do ataque de 11 de Setembro, anteontem em Nova York, foi um dos casos raros em que a platéia chorou antes mesmo que a primeira imagem fosse mostrada.
O filme foi exibido anteontem à noite no Ziegfeld Theatre, na abertura do Tribeca Film Festival, evento criado na esteira do ataque por Robert de Niro como maneira de ajudar a revitalizar a área sul de Manhattan. Estavam lá o então chefe de polícia de Nova York, Raymond Kelly, o então chefe do corpo de bombeiros, Tom von Essen, o CEO da CBS, Leslie Moonves, a atriz Marcia Gay Harden e outras celebridades.
Mas foi uma seção inteira de fileiras reservadas o que mais chamou a atenção na sessão especial. Ali, sentaram-se cerca de 90 parentes e amigos das vítimas daquele vôo. Formavam um bloco silencioso e unido que observava e era observado pela platéia, em busca de reações de lado a lado.
Nem todos estavam lá. Há parentes que não gostaram do resultado final do filme do britânico Paul Greengrass. Há os que não gostaram do papel reservado a seu familiar na ficção. Há os que acham que ainda é cedo para espetacularizar a desgraça. E há os que protestam contra a coisa toda -estes carregavam cartazes do lado de fora, na rua 54.
Com assunto tão delicado nas mãos, a Universal, estúdio que bancou a produção de US$ 15 milhões, tentou se cercar de todos os lados. Vai dedicar 10% da bilheteria do primeiro fim de semana (o filme estréia na sexta aqui e em setembro no Brasil) a um memorial para as vítimas. Tirou do circuito comercial um trailer tradicional com cenas do filme e o substituiu por um mais austero "making of".
O United 93 levantou vôo do aeroporto de Newark, em Nova Jersey, na manhã de 11 de setembro de 2001, com destino a San Francisco, na Califórnia. A bordo, 33 passageiros, sete tripulantes e quatro terroristas. Estes faziam parte do time que seqüestraria outros três aviões naquele dia -dois acabaram no World Trade Center, um no Pentágono.
O que fascina no vôo 93 é o fato de ser, dos quatro daquele dia, o que mais elementos se conhece. Por conta do tráfego aéreo intenso naquela manhã, o vôo atrasou sua decolagem, atrapalhando o cronograma de sincronicidade dos terroristas. Assim, seus passageiros souberam em vôo do World Trade Center, puderam deixar recados ou falar com familiares via celular e telefones a bordo e -supostamente, não há provas definitivas- ensaiaram uma reação para retomar o avião, que acabaria no solo de um descampado na Pensilvânia.
Pouco depois das 20h, começa o filme. Greengrass utiliza o estilo seco de seu docudrama "Domingo Sangrento" (2002). Inicia com os quatro terroristas na madrugada anterior se preparando para o ataque, orando, depilando os pêlos do corpo, se vestindo. Entremeia a narrativa do vôo em si com o "outro lado" daquele dia, a confusão que foi o trabalho dos operadores de vôo, dos militares, das agências federais.
Então, centra-se no último avião ainda no ar, cujo destino é um mistério ainda hoje -fala-se na Casa Branca ou no Congresso norte-americano. Para interpretar os 44 envolvidos, o diretor escolheu apenas atores desconhecidos, amadores ou não-atores. O resultado é dividido: por um lado, nenhuma estrela "rouba" a cena; mas há más interpretações.
A história se desenrola -os dois pilotos e uma comissária de bordo têm as gargantas cortadas, um passageiro é esfaqueado-, e o silêncio massacrante da platéia só é entrecortado por choros baixos, gritos e suspiros vindos dos familiares. Alguma redenção é alcançada no final, fantasioso. Mais do que uma sessão de cinema, a estréia de "Vôo 93" é uma grande sessão de psicodrama.
Todos saem em silêncio. Até que atingem a ante-sala, em que são agraciados com pipoca, refrigerante e -acredite- amostras promocionais de lenços de papel.
Aquilo foi história. Isto é Hollywood.


Texto Anterior: Contardo Calligaris: "Estrela Solitária": fuga para o passado
Próximo Texto: Filme "libera" indústria para falar da tragédia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.