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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Pedros no caminho
Na escrita exata de Rubens Figueiredo, preserva-se uma distância analítica, registro da perplexidade comum
NA OBRA de João Antônio, um
apelido recorrente prestou-se a sublinhar o que de comum se escondia sob uma multidão de personagens, brasileiros e
contemporâneos, das mais variadas
extrações. Atravessando vários de
seus livros, a alcunha "Jacarandá"
batizou do jovem e próspero publicitário ao apurado e alquebrado
guardador de carros, morador de
rua. A alegoria tinha endereço certo: recobrir, com boa dose de ironia,
mas igual de identificação afetiva,
uma diversidade de tipos enredados nas malhas da malandragem local, esvaindo-se como alcançam pelas frestas da (des)ordem. Na madeira nobre e nativa, a combinação
esdrúxula, nossa e reconhecível,
entre resistência legítima e cara-de-pau fraudulenta encontrava matéria adequada.
É de outra ordem o "visto de perto, somos todos Pedros" que anima
e dá ar de família aos protagonistas
da recente coletânea "Contos de
Pedro", de Rubens Figueiredo. Ainda que o leque humano seja igualmente amplo (um porteiro noturno, um músico reconhecido, um garimpeiro, um menino de escola ou
um escritor, por exemplo), o narrador abstém-se do tom irônico que,
em João Antônio, equivalia a uma
tese e uma tomada de partido. Na
escrita precisa de Figueiredo, afinada na difícil tarefa da tradução, preserva-se uma distância analítica, registro da perplexidade comum e
epifanias ocasionais a que chegam
sujeitos tão desiguais nos momentos decisivos de suas vidas.
Assim, se não desejamos cair na
tentação de identificar a unidade do
livro na frouxidão do "humano, demasiadamente humano", somos levados a concluir que a forte impressão de arquitetura séria deriva da
postura "laboratorista" e negativa
do narrador, reticente e econômico
em juízos mesmo quando mergulhado da intimidade das personagens. Como em "Barco a Seco"
(2001), Figueiredo é sensível à capacidade das palavras bem arranjadas de produzir mitos: lá, um perito
em arte, especialista em pintor precocemente desaparecido, resiste o
quanto pode a despregar as velas da
fantasia e preencher as lacunas de
sua biografia obscura.
O denominador comum dos destinos representados vacila entre
sua indecifrabilidade e sua irracionalidade, princípios que orientam
estas vidas simples, consumidos pelo trabalho e pela violência. Calam
fundo o zelador de "O Dente de Ouro", migrante solitário que só escapa do hábito da submissão incondicional para a janela vazia do misticismo, ou o protagonista de "O Nome que Falta", faxineiro de churrascaria que, entre balas perdidas e
pilhas de detrito, finalmente se reconhece na matéria impura do lixo
que carrega. Há ainda os viúvos de
si mesmos, como o escritor que se
vendeu e busca uma miragem de
autenticidade na amiga do passado.
Inconcessivo e sem levantar bandeiras, Figueiredo sabe a que veio.
CONTOS DE PEDRO
Autor: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (208 págs)
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