São Paulo, sexta-feira, 27 de julho de 2007

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Eu sou o samba

Luiz Melodia homenageia seu pai, Oswaldo, no CD de sambas "Estação Melodia", que remete à sua infância no Estácio

Rafael Andrade/Folha Imagem
O cantor na quadra da escola de samba Estácio de Sá, no Rio, na última terça-feira; Melodia dedica o novo CD ao pai, autor de duas das músicas, e ao poeta Waly Salomão

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Oswaldo Melodia morreu sem saborear o sucesso de "Maura", música que fez em homenagem à mulher e foi gravada por seu filho em 1991. Luiz Melodia também não conseguiu realizar o sonho de fazer um disco só com composições do pai, mas preenche parte dessa lacuna agora, com um CD repleto de sambas de meados do século passado, incluindo dois de "seu" Oswaldo.
"Meu pai sempre foi o carro-chefe. Era o meu maior fã e eu, o dele. Sei que ele ia gostar muito desse disco", diz Melodia.
Há um pouco de volta do filho pródigo neste "Estação Melodia". Como o título quer indicar, as músicas escolhidas ainda tocavam no rádio na infância de Melodia, passada no morro de São Carlos, no Estácio (limite entre o centro e a zona norte do Rio).
Eles remetem ao tempo em que o menino Luiz Carlos via rodas de samba na favela e, junto com outras crianças, improvisava instrumentos de percussão com latas, sacos de cimento e colas feitas com farinha.
"Linda Tereza", samba de Oswaldo Melodia que fecha o CD, registra bem o espírito daqueles tempos. "Eu me lembrei das pastorinhas descendo o morro, no carnaval, cantando, com aquelas vozes bem agudas", relata Melodia filho, hoje com 56, explicando porque as veteranas As Gatas foram chamadas para o coro da faixa.
Infelizmente, o Estácio não mais acalma os sentidos, como ele escreveu em "Estácio, Holly Estácio". O bairro se descaracterizou. Em primeiro lugar, por causa da derrubada de casas e praças em nome de ruas e do metrô. "Deletaram tudo, ficou horrível. Está tudo obscuro, acabou aquele ambiente gostoso de viver", lamenta.
O segundo motivo é a transformação das favelas do complexo de São Carlos em palcos de enfrentamentos constantes entre traficantes fortemente armados e policiais. Há duas semanas, Melodia esteve no morro para participar de uma filmagem e, mesmo com a autorização do chefe do tráfico dada à produção, foi recebido por jovens com pistolas.
"Não é uma bandidagem local. É uma garotada que nem te conhece. Foi muito desagradável. Para mim, que cresci lá, é mais chocante ainda. Eu acordava com Waly Salomão, Hélio Oiticica e Torquato Neto batendo na minha porta", conta.
O CD é dedicado ao pai e a Salomão. O poeta baiano fez a carreira de Melodia engrenar em 1972, quando mostrou "Pérola Negra" a Gal Costa e "Estácio, Holly Estácio" a Maria Bethânia. "Waly caiu do céu. Desceu de pára-quedas no São Carlos", brinca. Com os dois sucessos, no ano seguinte Melodia conseguiu gravar seu primeiro LP, que provocou enorme impacto com suas fusões de samba, choro, forró, blues e rock, além das letras muito peculiares.
Gravar um disco de sambas não mostra nenhum traço de purismo tardio. Ele nem descarta incluir no show -que chega no dia 7 de setembro ao Sesc Pinheiros, em São Paulo- os clássicos não-sambas "Pérola Negra" e "Magrelinha". "Vai ser uma salada. É isso o que eu quero. Mistura tudo só para ver e ouvir. Nasci num país maravilhoso, a vida me serve tanta música... Escolher só uma é sacanagem", afirma.
Ao montar um repertório com autores como Cartola, Geraldo Pereira, Wilson Batista e Ismael Silva, quem praticamente ficou de fora foi o próprio Melodia -há apenas uma letra sua ("Nós Dois"). Ele, que não lança um disco de inéditas há seis anos, já está sendo apelidado de "Luiz Letra" pela baixa produção melódica.
"Não corro tanto atrás há algum tempo. Agora só ando. E é preciso ter algo, a música de alguém, que me estimule. Mas nada tem mexido com a minha passarinha", diz ele, reconhecendo que ouve poucas coisas novas, preferindo Elza Soares, Jamelão e Billie Holiday.
Com fama de figura difícil nas gravadoras, ele diz que "por enquanto" está tudo bem com a nova. "Falo para a Biscoito Fino: faça o seu trabalho que eu faço o meu. O artista é que é o cara", sentencia.


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