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Eu sou o samba
Luiz Melodia homenageia seu pai, Oswaldo, no CD de sambas "Estação Melodia", que remete à sua infância no Estácio
Rafael Andrade/Folha Imagem
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O cantor na quadra da escola de samba Estácio de Sá, no Rio,
na última terça-feira; Melodia dedica o novo CD ao pai, autor de duas das músicas, e ao poeta Waly Salomão
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Oswaldo Melodia morreu
sem saborear o sucesso de
"Maura", música que fez em
homenagem à mulher e foi gravada por seu filho em 1991. Luiz
Melodia também não conseguiu realizar o sonho de fazer
um disco só com composições
do pai, mas preenche parte dessa lacuna agora, com um CD repleto de sambas de meados do
século passado, incluindo dois
de "seu" Oswaldo.
"Meu pai sempre foi o carro-chefe. Era o meu maior fã e eu,
o dele. Sei que ele ia gostar muito desse disco", diz Melodia.
Há um pouco de volta do filho pródigo neste "Estação Melodia". Como o título quer indicar, as músicas escolhidas ainda tocavam no rádio na infância de Melodia, passada no
morro de São Carlos, no Estácio (limite entre o centro e a zona norte do Rio).
Eles remetem ao tempo em
que o menino Luiz Carlos via
rodas de samba na favela e, junto com outras crianças, improvisava instrumentos de percussão com latas, sacos de cimento
e colas feitas com farinha.
"Linda Tereza", samba de
Oswaldo Melodia que fecha o
CD, registra bem o espírito daqueles tempos. "Eu me lembrei
das pastorinhas descendo o
morro, no carnaval, cantando,
com aquelas vozes bem agudas", relata Melodia filho, hoje
com 56, explicando porque as
veteranas As Gatas foram chamadas para o coro da faixa.
Infelizmente, o Estácio não
mais acalma os sentidos, como
ele escreveu em "Estácio, Holly
Estácio". O bairro se descaracterizou. Em primeiro lugar, por
causa da derrubada de casas e
praças em nome de ruas e do
metrô. "Deletaram tudo, ficou
horrível. Está tudo obscuro,
acabou aquele ambiente gostoso de viver", lamenta.
O segundo motivo é a transformação das favelas do complexo de São Carlos em palcos
de enfrentamentos constantes
entre traficantes fortemente
armados e policiais. Há duas semanas, Melodia esteve no morro para participar de uma filmagem e, mesmo com a autorização do chefe do tráfico dada à
produção, foi recebido por jovens com pistolas.
"Não é uma bandidagem local. É uma garotada que nem te
conhece. Foi muito desagradável. Para mim, que cresci lá, é
mais chocante ainda. Eu acordava com Waly Salomão, Hélio
Oiticica e Torquato Neto batendo na minha porta", conta.
O CD é dedicado ao pai e a Salomão. O poeta baiano fez a carreira de Melodia engrenar em
1972, quando mostrou "Pérola
Negra" a Gal Costa e "Estácio,
Holly Estácio" a Maria Bethânia. "Waly caiu do céu. Desceu
de pára-quedas no São Carlos",
brinca. Com os dois sucessos,
no ano seguinte Melodia conseguiu gravar seu primeiro LP,
que provocou enorme impacto
com suas fusões de samba, choro, forró, blues e rock, além das
letras muito peculiares.
Gravar um disco de sambas
não mostra nenhum traço de
purismo tardio. Ele nem descarta incluir no show -que
chega no dia 7 de setembro ao
Sesc Pinheiros, em São Paulo-
os clássicos não-sambas "Pérola Negra" e "Magrelinha". "Vai
ser uma salada. É isso o que eu
quero. Mistura tudo só para ver
e ouvir. Nasci num país maravilhoso, a vida me serve tanta
música... Escolher só uma é sacanagem", afirma.
Ao montar um repertório
com autores como Cartola, Geraldo Pereira, Wilson Batista e
Ismael Silva, quem praticamente ficou de fora foi o próprio Melodia -há apenas uma
letra sua ("Nós Dois"). Ele, que
não lança um disco de inéditas
há seis anos, já está sendo apelidado de "Luiz Letra" pela baixa
produção melódica.
"Não corro tanto atrás há algum tempo. Agora só ando. E é
preciso ter algo, a música de alguém, que me estimule. Mas
nada tem mexido com a minha
passarinha", diz ele, reconhecendo que ouve poucas coisas
novas, preferindo Elza Soares,
Jamelão e Billie Holiday.
Com fama de figura difícil
nas gravadoras, ele diz que "por
enquanto" está tudo bem com a
nova. "Falo para a Biscoito Fino: faça o seu trabalho que eu
faço o meu. O artista é que é o
cara", sentencia.
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