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MÚSICA
Em "Medúlla", islandesa e convidados exploram diferentes timbres vocais; disco foi gravado em 12 partes do mundo
Björk sai em busca da essência da canção
JAMES MCNAIR
DO "INDEPENDENT"
"Alguém quer papagaio-do-mar assado? Ou alca?" Não se trata de um esquete do Monty
Python -é Stuart, o empresário
de Björk, passeando com os olhos
pelo cardápio de um restaurante
tradicional de Reykjavík onde tenho encontro marcado com sua
cliente. Minutos mais tarde, Björk
e eu já estamos batendo papo numa sala dos fundos do restaurante.
Björk é amigável, mas um pouco tímida. Ela diz que precisa tomar café para começar a falar em
inglês. De maneira charmosa, pede desculpas toda vez que seu dinamismo cafeinado é tanto que
eu não consigo abrir a boca em
meio a sua enxurrada de palavras.
Começamos por discutir uma
aparente disparidade: entre
Björk, a artista séria, e Björk da
maneira em que foi caricaturizada no "Spitting Image". Essa tendência da mídia de retratá-la como duende excêntrico a irrita?
"Às vezes me pergunto o que diriam se eu tivesse nascido em
Leeds", diz Björk, "mas minha relação com a Inglaterra também é
bacana. Quando eu estava me desenvolvendo como vocalista, as
crianças aqui em Reykjavík jogavam pedras em mim porque me
achavam estranha, mas revistas
de música inglesas como a "NME"
descobriram o Sugarcubes e passaram a me dar algum crédito.
Por isso nunca me ofendi quando
me chamavam de duende.
"De qualquer maneira", ela
acrescenta, sorrindo, "a Inglaterra
tem druidas e foi um inglês que
escreveu "O Senhor dos Anéis".
Afinal, quantos goblins e elfos se
podem incluir em uma história? E
a Inglaterra é o melhor lugar do
mundo em matéria de excêntricos. Todas essas pessoas fantásticas tipo Richard James (Aphex
Twin) e David Bowie não poderiam ter saído de outro lugar".
A cantora de 37 anos e eu nos
reunimos para falar de seu novo
álbum, "Medúlla". Possivelmente
o trabalho mais ambicioso de
uma carreira solo repleta de discos pioneiros, o álbum se baseia
na miríade de timbres e texturas
da voz humana. Houve um momento de epifania na direção do
disco. Imagine a cena: Björk, grávida de oito meses de Isadora, que
já está com quase 2 anos, está gravando suas próprias participações na bateria. Pense em Meg
White de barriga grande. De repente ela se dá conta de que o que
está fazendo é supérfluo.
Iniciando um processo de arqueologia auditiva, ela primeiro
remove algumas faixas de ritmo,
depois vai escavando camadas sucessivas de instrumentação, até
que suas melodias vocais soterradas voltam a brilhar. Nesse momento, ela teve a idéia de criar um
álbum cantado quase inteiramente sem acompanhamento. "A única outra regra é que não soasse como Manhattan Transfer ou
Bobby McFerrin."
Como "Vespertine" (2001), sua
visão belíssima da introspecção e
da intimidade doméstica, o título
de "Medúlla" combina com o
conteúdo do álbum. "O título significa medula em linguagem médica, em latim. Não apenas a medula óssea, mas a medula dos rins,
a medula dos cabelos. Quer dizer
obter a essência de alguma coisa,
e, pelo fato de esse álbum ser todo
vocal, o título faz sentido."
"Alguma coisa dentro de mim
queria deixar a civilização de fora", ela prossegue, "queria voltar
para antes de tudo acontecer e indagar "Onde está a alma humana?
E se nos desfizéssemos da civilização, da religião, do patriotismo,
das coisas que deram errado?". Ia
chamar o álbum de "Ink" (Tinta),
porque eu queria que fosse como
o sangue negro, de 5.000 anos
atrás, que existe dentro de todos
-um espírito antigo cheio de
paixão e que ainda sobrevive."
Um álbum inteiramente à capella soa como algo que pode cansar, mas o ecletismo de "Medulla"
e sua lista de convidados ajudam a
garantir uma experiência auditiva
fascinante, muitas vezes emocionante. Produzido por Björk e gravado em 12 lugares, incluindo Nova York, Islândia, Veneza e as
ilhas Canárias, o álbum inclui
contribuições da cantora inuit
(esquimó) Tanya Tagaq Gillis, o
japonês Dokaka, ás do "beatbox",
do estimado Robert Wyatt, Rahzel, do The Roots, e de Mike Patton, ex-Faith No More.
"Quis que todos nós fizéssemos
todo tipo de sons especiais que
conseguíssemos", diz Björk, cujo
próprio sotaque híbrido, por si só,
já é um espanto em termos de
timbre. "Às vezes há uma espécie
de fusão em que ninguém se sobressai aos outros; em outros momentos, eu queria que cada cantor tivesse uma espécie de solo."
Portanto, ouvinte, preste atenção aos sons angelicais e demoníacos, aos sons eróticos, exóticos
e cômicos, às versões humanas de
insetos e aves, a assobios, momentos de felicidade solta e outros de graça sublime. Também
há uma mistura de eras que é típica de Björk: assim como "Vespertine" tinha caixas de música feitas
à mão lado a lado com a instrumentação eletrônica de vanguarda do duo Matmos, de San Francisco, "Medúlla" tem arranjos corais tradicionais com programação inovadora, esta última cortesia de Valgeir Sigurdsson, do grupo islandês Múm, e de Mark Bell,
do projeto eletrônico LFO.
Em uma das melhores faixas do
álbum, "Vökuró", Björk e um coral de 20 vozes reinventam uma
composição de som atemporal
composta ao piano pela compositora islandesa septuagenária Jórunn Vidar. Existe uma história
fascinante por trás da música.
Björk explica: "Jórunn Vidar é
uma senhora idosa, uma grande
figura. Quando ela estudou composição, em Berlim, antes da Segunda Guerra Mundial, conheceu
Hitler e Leni Riefenstahl, mas não
vou falar de tudo isso agora.
Quando lhe telefonei para lhe perguntar sobre usar sua música, ela
disse: "Deve ser maravilhoso ter
uma menininha. Ela deve ser uma
grande inspiração para você"."
"Fiquei um pouco confusa num
primeiro momento -é que eu
não tinha me dado conta de que a
canção é uma canção de ninar que
foi escrita para uma garotinha de
olhos azuis. É tão estranho, porque venho trabalhando com essa
música há quatro anos, e há quatro anos eu não fazia a menor
idéia de que eu mesma acabaria
tendo uma filhinha de olhos
azuis. Coisas como essas aconteceram várias vezes nesse álbum,
momentos em que tudo se encaixa. Estou aprendendo a confiar
em meus instintos."
A carreira solo de Björk na vida
adulta vem demonstrando o
grande raio de ação de seu trabalho. Ela reconheceu o valor, procurou e, em alguns casos, namorou com pessoas que inovam e
mexem com o mundo da música,
como Tricky, Goldie, Nellee Hooper e Graham Massey (808 State).
Ela já criou videoclipes fascinantes, idiossincráticos e expostos como "Human Behaviour" e "Cocoon", este último dirigido por
Eiko Ishioka, grande nome do design japonês, e incluindo um pelotão de Björks nuas.
Quem senão Björk usaria um
vestido de cisne, completo com
bico e ovo? E que outro músico ou
música é suficientemente versátil
e autoconfiante para deslocar-se
entre o jazz de big band (sua versão de "It's Oh So Quiet", sucesso
de 1948 de Betty Hutton) e paisagens sonoras eletrônicas inspiradas pela geografia física da Islândia (como "Joga", a faixa mágica
que se destaca em seu aclamado
álbum "Homogenic", de 1997)?
Mas já houve momentos em
que sua personalidade bombástica lhe custou caro -e não apenas
em termos de ser caricaturizada
como duende. Em 1996 Ricardo
Lopez enviou por correio uma
bomba de ácido à firma britânica
que empresaria Björk e, em seguida, filmou seu próprio suicídio
em vídeo. Naquele mesmo ano,
Björk tinha atacado uma repórter
de TV que invadiu a privacidade
de seu filho Sindri. Quando a cantora saltou em cima da repórter
Julie Kaufman no aeroporto Don
Muang, em Bangcoc, as imagens
filmadas do incidente foram exibidas em todo o país. Mas muitos
astros e estrelas fartos dos paparazzi aplaudiram sua iniciativa.
Desde então, e muito compreensivelmente, Björk vem se
tornando cada vez mais avessa à
imprensa. De maneira geral, seus
filhos e suas casas em Nova York,
Londres e Reykjavík são assuntos
que ela não aceita comentar. E
nem sequer pense em perguntar a
ela sobre Matthew Barney, o iconoclasta artista e cineasta de San
Francisco que é seu namorado há
quatro anos. Isto dito, a última
gravidez de Björk, de Isadora, teve efeito tão profundo sobre a gestação de "Medúlla" que há momentos em que ela não consegue
deixar de aludir à sua filhinha.
"Quando você está amamentando", explica, "a sensação de estar nutrindo seu filho é o maior
barato natural que se pode sentir.
Então, com "Mouth's Cradle", eu
imaginava um tipo de musical em
que houvesse uma boca enorme,
os dentes seriam como uma escada, e você faria uma dança tipo
Fred Astaire, usando os dentes
como escadas para chegar até a
boca. Mas a música também é sobre olhar para um bebê e pensar
"Esse desenho saiu perfeito"."
"Mas, como qualquer mãe lhe
dirá, quando você está grávida
existe aquela sensação de que deixa de ser dona de seu próprio corpo. Então, quando você começa a
sentir que tem seus ossos e seu
sangue de volta, que eles são seus
outra vez, isso é muito bom."
Foi em La Gomera, uma das
menos turísticas das ilhas Canárias, diz Björk, que ela começou a
recobrar a posse de seu próprio
corpo. Seu amigo Richard James
tinha falado sobre um aparelhinho extremamente útil que ela
carregava junto enquanto caminhava por aí, cantando. "Basicamente, ele lhe permite gravar camadas de vocais enquanto caminha ao ar livre", diz. Assim, a flora
e a fauna de La Gomera puderam
ouvir uma das primeiras versões
de "Pleasure Is All Mine".
Björk diz que quer gravar outro
álbum já, em lugar de fazer turnê
para divulgar "Medúlla". Ainda
em agosto ela espera gravar um
videoclipe da canção "Triumph of
a Heart", de "Medúlla", com o diretor Spike Jonze, com orçamento
pequeno. "A última vez em que
Spike e eu ficamos bêbados juntos", ela recorda, rindo, "inventamos uma coisa chamada "The Falling Down Dance". O plano é recriar esse momento em meu pub
local, na Islândia."
"Medúlla" será lançado em 30
de agosto, pela One Little Indian.
Tradução de Clara Allain
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