São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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COMENTÁRIO

Entre o recolhimento e a superexposição

NAIEF HADDAD
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Maio de 2000: a cantora Björk é premiada como a melhor atriz no Festival de Cannes por sua participação em "Dançando no Escuro", de Lars von Trier. Satisfeita (ou entediada), afasta-se do cinema.
Fevereiro de 2004: em Salvador, Björk acompanha o companheiro, o artista plástico Matthew Barney, que montava um trio elétrico. Diante dos paparazzi, pouco fala. Dança escondida. A estrela ali é Barney.
Agosto de 2004: Björk abre as Olímpiadas cantando "Oceanic", do novo CD, "Medúlla". Cerca de 4 bilhões de pessoas a vêem pela TV com seu longo vestido azul.
Para se aproximar da música de Björk, vale observar o modo como ela lida com o circo da indústria cultural, domando-o sem negá-lo. A cantora e compositora intercala momentos de superexposição e outros de recolhimento -e não há um sem a existência do outro. Vejamos: as músicas de "Medúlla" nasceram em uma temporada silenciosa nas ilhas Canárias. As gravações começaram em Reykjavík, capital da sua pequena Islândia -é lá onde as pessoas dizem "olá" a ela com o descompromisso de velhos conhecidos. E a conclusão do disco se deu em Londres, onde Björk se consagrou em carreira solo no início da década de 90 após três discos à frente do Sugarcubes e hoje é idolatrada.
Nesse ziguezague de ocultar e expor, Björk dá um passo adiante: leva sua instropecção e seus mistérios a público, sem jogo de cena. Sua Selma do filme de Von Trier atesta uma angústia que transita entre a vida e a ficção, como se Björk e Selma fossem sempre uma só. Na clássica "Hyperballad", do segundo disco, "Post", evoca o suicídio pra delinear uma ode à existência. As cortinas se abrem para a intimidade, que está lá, recolhida no canto do palco.
E assim, como se não bastasse sua voz dissonante, suas influências múltiplas, Björk confunde e assusta em público ao desvelar o privado, sem medo.


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