São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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Curta-metragem profético de Mishima vem à tona no Japão

PHILIPPE PONS
DO "MONDE", EM TÓQUIO

Acaba de ser reencontrado e será editado em DVD o curta-metragem "Patriotismo", dirigido e representado pelo escritor japonês Yukio Mishima (1925-70). Existiam cópias do filme de 30 minutos feito em 1965 a partir de um conto de 1961. Mas acreditava-se que o original tivesse sido destruído por sua viúva, Yoko, após o suicídio de Mishima.
As bobinas do negativo foram encontradas na antiga casa do escritor, 40 anos após a realização do filme, pelo produtor Hiroaki Fujii. A descoberta, 35 anos após um fato que consternou o Japão, trouxe à tona os mitos suscitados pela morte de Mishima em nome de uma "identidade japonesa".
O filme é inspirado em fato real: a revolta, em 1936, de oficiais japoneses contra o que, para eles, era uma deriva em direção a um regime corrompido. O motim foi reprimido, e os rebeldes, presos e fuzilados. Mishima concentrou seu conto nas últimas horas de um tenente que compartilhava as convicções dos revoltados, mas não entrou na ação porque acabara de se casar. Mas matou-se por fidelidade a seus companheiros.
Após transar com sua mulher, o oficial abre seu próprio ventre, diante de sua esposa, guiando a mão dela para que ela corte seu próprio pescoço. Rodado em preto-e-branco, sem diálogos, apenas com subtítulos e acompanhado por trechos de "Tristão e Isolda", de Richard Wagner, o filme tem Mishima no papel do tenente. O ritual e as cenas de amor, ousadas para a época, causaram sensação, mas não agradaram à crítica.
O filme ficou famoso não tanto por sua qualidade quanto por ter sido um esboço profético do ato de Mishima em 1970. O início dos anos 60 foi a época em que o escritor começou a flertar com o nacionalismo. Sua morte serviu de alimento intelectual de todos os exotismos sobre o "espírito japonês". Com quatro companheiros de seu pequeno exército, o escritor tomou como refém um general das forças de autodefesa em Tóquio e conclamou, sem sucesso, os soldados a um golpe de Estado pela volta dos valores do velho Japão. Depois, se suicidou.
Sua morte deu lugar a mal-entendidos, como o próprio título do curta, "Patriotismo". A expressão empregada por Mishima, "Yukoku", significa literalmente "estar inquieto por seu país". O escritor sabia que seu golpe estava fadado ao fracasso. Mas, ao sacrificar sua vida por um valor absoluto, ele autenticou sua vida. O Mishima histrião e quixotesco precisava de uma causa para satisfazer seu fascínio pelo abismo.


Tradução de Clara Allain

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