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Curta-metragem profético de Mishima vem à tona no Japão
PHILIPPE PONS
DO "MONDE", EM TÓQUIO
Acaba de ser reencontrado e será editado em DVD o curta-metragem "Patriotismo", dirigido e
representado pelo escritor japonês Yukio Mishima (1925-70).
Existiam cópias do filme de 30 minutos feito em 1965 a partir de um
conto de 1961. Mas acreditava-se
que o original tivesse sido destruído por sua viúva, Yoko, após o
suicídio de Mishima.
As bobinas do negativo foram
encontradas na antiga casa do escritor, 40 anos após a realização
do filme, pelo produtor Hiroaki
Fujii. A descoberta, 35 anos após
um fato que consternou o Japão,
trouxe à tona os mitos suscitados
pela morte de Mishima em nome
de uma "identidade japonesa".
O filme é inspirado em fato real:
a revolta, em 1936, de oficiais japoneses contra o que, para eles,
era uma deriva em direção a um
regime corrompido. O motim foi
reprimido, e os rebeldes, presos e
fuzilados. Mishima concentrou
seu conto nas últimas horas de
um tenente que compartilhava as
convicções dos revoltados, mas
não entrou na ação porque acabara de se casar. Mas matou-se por
fidelidade a seus companheiros.
Após transar com sua mulher, o
oficial abre seu próprio ventre,
diante de sua esposa, guiando a
mão dela para que ela corte seu
próprio pescoço. Rodado em preto-e-branco, sem diálogos, apenas com subtítulos e acompanhado por trechos de "Tristão e Isolda", de Richard Wagner, o filme
tem Mishima no papel do tenente.
O ritual e as cenas de amor, ousadas para a época, causaram sensação, mas não agradaram à crítica.
O filme ficou famoso não tanto
por sua qualidade quanto por ter
sido um esboço profético do ato
de Mishima em 1970. O início dos
anos 60 foi a época em que o escritor começou a flertar com o nacionalismo. Sua morte serviu de
alimento intelectual de todos os
exotismos sobre o "espírito japonês". Com quatro companheiros
de seu pequeno exército, o escritor tomou como refém um general das forças de autodefesa em
Tóquio e conclamou, sem sucesso, os soldados a um golpe de Estado pela volta dos valores do velho Japão. Depois, se suicidou.
Sua morte deu lugar a mal-entendidos, como o próprio título
do curta, "Patriotismo". A expressão empregada por Mishima,
"Yukoku", significa literalmente
"estar inquieto por seu país". O
escritor sabia que seu golpe estava
fadado ao fracasso. Mas, ao sacrificar sua vida por um valor absoluto, ele autenticou sua vida. O
Mishima histrião e quixotesco
precisava de uma causa para satisfazer seu fascínio pelo abismo.
Tradução de Clara Allain
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