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DANÇA/CRÍTICA
Coreografia de Marcia Milhazes descreve os universos mais íntimos de duas mulheres e um homem
"Tempo de Verão" invoca e nega vertigens
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
"Tempo de Verão" evolui
em voltas, espirais e círculos, invocando e negando as vertigens de cada um. A nova coreografia de Marcia Milhazes, que estreou no Sesc Consolação sexta
passada, é dançada por três intérpretes -Al Crisppinn, Ana Amélia Vianna e Pim Boonprakob- e
tem cenário de sua irmã Beatriz
Milhazes -uma das artistas brasileiras da Bienal: um grande
"candelabro" de bolas, rosetas e
flores, de exuberância hipnótica,
redobrando sutil e constantemente os movimentos.
No início, uma penumbra acolhe os três corpos quase sobrepostos no canto esquerdo do palco.
Aos poucos, eles vão se individualizando, para em seguida se fundirem ou se encontrarem, de novos
modos e por caminhos variados.
É da disposição e da relação dos
corpos na cena, tanto como do
próprio movimento, que Milhazes cria tensões entre o que é interno e o que é externo, uma dualidade acentuada pela luz de Glauce Milhazes (sua mãe).
A linguagem dos gestos se faz
dos contrastes entre leveza e densidade, maciez e dureza, superfície e profundidade. Duas mulheres e um homem inscrevem seus
universos mais íntimos em minúcias, na configuração multiplicada de silêncios e ritmos.
Duos, solos e trios dividem o
palco. Exemplos: num duo com
Boonprakob, Crisppinn serve de
suporte e contraponto para ela,
com sua dança sutil, de nuances,
rodando o palco. Enquanto isso,
no canto esquerdo, Vianna caminha lentamente até o fundo do
palco, com movimentos amplos,
mas intimistas, dos braços em
torno de seu próprio corpo. Já um
solo em círculos de Crisppinn resgata a memória de seus gestos (e
pensamentos), enquanto o duo
das moças monta uma geometria
precisa no centro. Até que se lançam ao infinito olhar escuro da
platéia. Três intérpretes incríveis,
com qualidades bem particulares.
Os vestidos esvoaçantes do figurino de Carmem Mattos começam com cores quentes que vão
amainando, do vermelho ao laranja, amarelo e bege. Contrastam com a relativa neutralidade
da roupa do homem: amarelo,
branco e bege.
A seleção musical inclui valsas
de Francisco Mignone, Lamartine
Babo e Zequinha de Abreu, entre
outros (pena que não conste no
programa a relação das músicas).
Nessas valsas e mais valsas -recortadas por silêncios e pássaros-, Milhazes encontra, para
depois compor a seu modo, um
imaginário de amores e desejos,
desejos e melancolias, melancolias e amores. É sempre um tempo
suspenso que antecipa o que virá,
na amplitude e recolhimento de
cada gesto, retendo os instantes
que passam com a perfeição de
um corpo animado de afeto.
Avaliação:
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