São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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DANÇA/CRÍTICA

Coreografia de Marcia Milhazes descreve os universos mais íntimos de duas mulheres e um homem

"Tempo de Verão" invoca e nega vertigens

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

"Tempo de Verão" evolui em voltas, espirais e círculos, invocando e negando as vertigens de cada um. A nova coreografia de Marcia Milhazes, que estreou no Sesc Consolação sexta passada, é dançada por três intérpretes -Al Crisppinn, Ana Amélia Vianna e Pim Boonprakob- e tem cenário de sua irmã Beatriz Milhazes -uma das artistas brasileiras da Bienal: um grande "candelabro" de bolas, rosetas e flores, de exuberância hipnótica, redobrando sutil e constantemente os movimentos.
No início, uma penumbra acolhe os três corpos quase sobrepostos no canto esquerdo do palco. Aos poucos, eles vão se individualizando, para em seguida se fundirem ou se encontrarem, de novos modos e por caminhos variados. É da disposição e da relação dos corpos na cena, tanto como do próprio movimento, que Milhazes cria tensões entre o que é interno e o que é externo, uma dualidade acentuada pela luz de Glauce Milhazes (sua mãe).
A linguagem dos gestos se faz dos contrastes entre leveza e densidade, maciez e dureza, superfície e profundidade. Duas mulheres e um homem inscrevem seus universos mais íntimos em minúcias, na configuração multiplicada de silêncios e ritmos.
Duos, solos e trios dividem o palco. Exemplos: num duo com Boonprakob, Crisppinn serve de suporte e contraponto para ela, com sua dança sutil, de nuances, rodando o palco. Enquanto isso, no canto esquerdo, Vianna caminha lentamente até o fundo do palco, com movimentos amplos, mas intimistas, dos braços em torno de seu próprio corpo. Já um solo em círculos de Crisppinn resgata a memória de seus gestos (e pensamentos), enquanto o duo das moças monta uma geometria precisa no centro. Até que se lançam ao infinito olhar escuro da platéia. Três intérpretes incríveis, com qualidades bem particulares.
Os vestidos esvoaçantes do figurino de Carmem Mattos começam com cores quentes que vão amainando, do vermelho ao laranja, amarelo e bege. Contrastam com a relativa neutralidade da roupa do homem: amarelo, branco e bege.
A seleção musical inclui valsas de Francisco Mignone, Lamartine Babo e Zequinha de Abreu, entre outros (pena que não conste no programa a relação das músicas). Nessas valsas e mais valsas -recortadas por silêncios e pássaros-, Milhazes encontra, para depois compor a seu modo, um imaginário de amores e desejos, desejos e melancolias, melancolias e amores. É sempre um tempo suspenso que antecipa o que virá, na amplitude e recolhimento de cada gesto, retendo os instantes que passam com a perfeição de um corpo animado de afeto.


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