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crítica
Dramaturgo oscila entre comoção e clichê
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Pássaros de Vôo
Curto" é o segundo romance do
dramaturgo, cronista e roteirista Alcione Araújo. Pelo fôlego demonstrado nas 461
páginas do livro, ele pareceria ter nascido para o gênero.
Não é, porém, o caso. O romance tem marcas da crônica e do teatro, sem que a extensão lhe permita resolver
as contradições geradas pelo
hibridismo.
A narrativa acompanha
uma cantora de ópera decadente que cruza o Brasil profundo fazendo apresentações em cidades perdidas,
sob auspícios eleitoreiros de
políticos locais. Além dela, a
trupe é composta de sua fiel
governanta, fervidamente
beata; um pianista americano bêbado que já fora uma
promessa do jazz; e o motorista do velho caminhão
adaptado em que viajam.
O argumento, pois, é bem
"Bye Bye Brasil". Mas, diferentemente do filme, o romance se estrutura com base
na alternância de fragmentos narrativos do passado de
cada uma das personagens. O
intervalo temporal coberto
pelo conjunto dos fragmentos é de cerca de cem anos.
Começa no final do século 19,
quando se instala em Minas
uma mineradora inglesa, e
avança até o momento em
que a trupe faz suas últimas
apresentações em lugares
tão sintomáticos como Desterro, Sumidouro, e uma aldeia Ikpeng, no Xingu.
Estereótipos
Os acontecimentos pessoais são balizados por eventos conhecidos da história
política brasileira e mundial
(o golpe e o suicídio de Getúlio, o início e o fim da Segunda Guerra...), bem como da
mitologia mineira e carioca
(os cantores da Rádio Nacional, a época de ouro dos cassinos, o surgimento da bossa
nova, os rendez-vous famosos de BH, a agitação da rua
da Bahia...). Formam blocos
que dizem respeito menos à
história ou à lembrança pessoal que aos clichês sentimentais da nação.
O balizamento, assim, escorre pela narrativa, sem dar
liga. Empresta-lhe um ar de
crônica pitoresca, raramente articulada às histórias das
personagens. Estas, aliás,
também se deixam penetrar
pelo pitoresco. Por exemplo,
o grande escândalo na vida
de Vittorio, que viria a ser
amante e mecenas da cantora, foi um crime passional "à
mineira". Ou seja, as marcações estereotipadas da crônica diluem a narrativa e as
personagens oscilam entre o
típico e o anódino.
Dizendo assim, porém, o
livro parece pior do que é. Já
quase ao final, alguns capítulos são bem superiores ao
conjunto. Isto fica evidente
quando a trupe chega a Desterro e a narração enfim se
entrega à cantora no palco.
O fragmento relativo a esse passo, entre as páginas
388 e 401, é hilário e comovente ao mesmo tempo.
Lembra a estupenda cena de
"Nashville", de Robert Altman, quando a cantora interpretada por Ronee Blakley alucina no palco e exibe
aos fãs contrariados uma patética fragilidade.
Será acaso este brilhante
capítulo do veterano dramaturgo Alcione Araújo um relato de palco? Seja como for,
se ao longo do livro a crônica
banaliza o romanesco, o certo é que a narração teatral sabe encenar a banalidade em
seu aspecto mais contundente e tocante. Só então,
possivelmente tarde demais,
o romance alça vôo.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas
(SP) e autor de "Máquina de Gêneros"
(Edusp)
PÁSSAROS DE VÔO CURTO
Autor: Alcione Araújo
Editora: Record
Quanto: R$ 52 (461 págs.)
Avaliação: regular
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