São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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Crítica/dvd/"Naked"

Em clima de ressaca, filme de Mike Leigh explora uma Londres sombria

KLEBER MENDONÇA FILHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Chama a atenção que "Naked" (1993), de Mike Leigh, finalmente veja a luz do dia no Brasil meses após o lançamento nos cinemas de "Simplesmente Feliz" (2008). "Naked" sai agora em DVD sem nunca ter sido distribuído nas salas. É a crônica mais sombria de Leigh, contrastando com o último, sua obra mais risonha.
Premiado no Festival de Cannes com direção e ator (David Thewlis) dois anos antes da Palma de Ouro para Leigh por "Segredos e Mentiras" (1996), o tom de "Naked" lembra o de uma ressaca.
E, como ocorre em ressacas, o mal-estar é forte, mas a sensação de estar vivo também. O filme segue algo de bêbado e nublado, com espasmos de sobriedade tocante, um pouco como a própria Londres.
O eixo da trama é Johnny (David Thewlis). Ele faz parte de uma galeria peculiar de ingleses, como o Alex de "Laranja Mecânica" (1971), o skinhead Trevor de "Made in Britain" (1984), ou Francie Brady, o proto-punk mirim de "Nó na Garganta" (1997). São agentes do caos com sensibilidades insuspeitas.

Charme pós-punk
Aos 27, Johnny é maduro o suficiente para entender um suposto mau humor de Deus e ainda jovem o bastante para odiar isso.
Nos seus piores momentos, tem a verve de um poeta marginal afiado. É um chato com alguma razão que explica sua má aparência como tentativa de mesclar-se aos ambientes.
Chega na casa da ex-namorada, Louise (Lesley Sharp), que divide o espaço com a sempre aérea Sophie (Katrin Cartlidge, que morreu precocemente em 2002). O charme pós-punk de Johnny leva o trio a um colapso imediato.
Ele sairá pela cidade numa odisseia de encontros fortuitos que, mesmo lembrando "Depois de Horas" (1986), de Martin Scorsese, ainda soa notável e original. Se na noite nova-iorquina de Scorsese o personagem é passivo, na noite londrina de Leigh Johnny é o motor de tensões constantes.
Essa dureza tem na fala uma verdade britânica notável, aspecto também percebido em "Kes" (1969), de Ken Loach, outro momento importante do cinema britânico lançado há pouco pela mesma distribuidora Lume Filmes.
Como Loach, Mike Leigh destaca o som do falar na Grã-Bretanha com ouvidos abertos. O trio Johnny, Louise e Sophie, o casal de escoceses na rua e o outro personagem masculino em cena, Jeremy (Greg Cruttwell), assumem visões de mundo e de classes sociais em sonoridades peculiares da paisagem britânica.


NAKED
Distribuição: Lume Filmes
Quanto: R$ 39,90, em média
Classificação: 18 anos
Avaliação: ótimo


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