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MÚSICA
Ivete Sangalo lança hoje, em Salvador, seu disco solo; em entrevista, fala do disco e da sua carreira
"Sou Elis Regina. Fui num spa me esticar"
Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
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Ivete Sangalo, que lança hoje "Ivete Sangalo" em Salvador |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Ivete Sangalo já entregou rapadura para seu conterrâneo João
Gilberto. Tempos depois, João,
cacique da bossa nova e hoje neo-vaiado, cantou para a moça, ao telefone, em tom de bossa, "Carro
Velho" ("cheiro de pneu queimado, carburador furado, coração
dilacerado"), sucesso da banda de
axé Eva, que expeliu Ivete ao mapa musical brasileiro.
Prova de fidelidade à Bahia ou
sinal da geléia geral brasileira, o
flerte -descrito por ela, sob o silêncio de João- emblematiza
uma nova era que vai se inaugurando na MPB.
À caça de legitimidade, Ivete, 27,
apresenta em show hoje, em Salvador, seu disco de Carnaval de
meio de ano, "Ivete Sangalo".
Aqui, mostra um pouco de
quem é em entrevista na qual
conta a história com João e dá sua
versão sobre o caso Elza Soares (a
sambista teve de recolher seu novo disco, independente, porque
Ivete teria exigido exclusividade
da canção "Sá Marina", sucesso
com Wilson Simonal nos anos 60,
que ambas haviam regravado).
Folha - Por que você não se
posicionou oficialmente sobre o
caso Elza Soares?
Ivete Sangalo - A gente nunca
conseguiu falar porque não estava
a par do assunto. A queixa de Elza
é direcionada à gravadora, e em
parte ela tem razão. Pela própria
hierarquia da música, ela tem o
direito de gravar o que bem entender. O disco já pronto, prensado, recebi a galinha pulando nos
peitos. Me coloquei solidária a ela.
Folha - Você não tinha o poder
de liberar a música para ela?
Ivete - Mas eu não soube. Foi
um problema de gravadora com
editora, dos caras da gravadora
quererem a música só pra mim e
não terem me dito. Eu soube pelo
jornal, acho que pela Folha.
Folha - Foi um caso de a corda
arrebentar do lado mais fraco.
Ivete - Isso é um fato, não posso
ir contra. Sou uma cantora que está numa gravadora que tem força.
Mas eu não sabia, se soubesse teríamos feito da melhor forma.
Diante de tantas perguntas que
têm me feito, vou procurar um
posicionamento do presidente da
gravadora, até perguntar a ele o
que eu tenho de responder.
Folha - Em que seu disco solo é
diferente dos da Banda Eva?
Ivete - O que mudou é que o repertório todo foi escolhido por
mim. Tomei tenência da minha
carreira tem três anos. Até então,
na Banda Eva, eu só ia pôr a voz.
Folha - O massacre de axé que
rádio e TV fazem não espalha
demais o Carnaval pelo resto do
ano? Há razão para festejar?
Ivete - Meu dever é seguir meu
instinto. O que não vou deixar é
um acorde errado no meu disco.
É tecnicamente perfeito. Se está
massacrado na TV? Eu adoro
Chitão e Xororó, mas há outras
duplas que acho abomináveis. E
não acho que o Brasil seja uma
festa de rodeio, mesmo tendo em
todo lugar. Na música baiana é a
mesma coisa, há coisas abomináveis, que não prestam. Acho maravilhoso ter Carnaval o ano inteiro. Se expandiu porque é uma necessidade do público, de se divertir. É namoro, birita, música.
Folha - E se, além de divertir, o
excesso disso desviar atenção
de todo o resto, desde outros tipos de música até a corrupção
generalizada na política?
Ivete - Ah, certo. Mas ainda vou
dizer: politicamente falando, sou
leiga no assunto. Minha geração
não teve muito de ir para a rua fazer passeata. Não sou tão politizada quanto Caetano Veloso. São
tantas falcatruas e coisas sujas que
eu talvez não tenha discernimento para ver o que é certo ou errado. Sou cumpridora da lei, deixo
uma grana para um governo que
não tem saúde nem educação.
Folha - O trio elétrico não é
uma forma de palanque?
Ivete - Eu tenho esse discurso.
Falo isso nos shows. Mas o país
tem dirigentes, não tem de ter
uma comissão para derrubar os
dirigentes. E não vou perder meu
veículo, que é o Carnaval, em função de uma coisa que não é dever
meu apenas.
Folha - O artista nos anos 90 se
transformou em empresa, cuidando impecavelmente de qualidade técnica, imagem, marketing. Isso não traz perda de espontaneidade?
Ivete - O mundo pede isso. Hoje
tenho muito mais referências que
ajudam a promover a artista que
sou eu mesma. A capa do meu CD
é assim porque Luiz Stein, que a
fez, me mostrou um livro do David LaChapelle, que é moderno.
Folha - Sua capa não lembra
LaChapelle.
Ivete - Eu não fui ainda mais
rock'n'roll porque é muito angelical. Ivete mudou, mas não de personalidade. Não posso dizer, depois de seis meses, "olha, tenho
um trabalho experimental"...
Folha - A música de axé não
parece muito padronizada?
Ivete - Sim. A bossa nova é assim. Até hoje nego grava "Desafinado" e eu estou de saco cheio
dessas regravações. Sem querer
dizer que você não sabe do que está falando, temos células percussivas no disco que ainda não haviam sido colocadas em música
baiana, que, em meio aos acordes,
soa parecido.
Folha - É como LaChapelle, fica tão diluído que nem aparece.
Ivete - Ele mostra, se a gente ouvir ele mostra. Eu não podia colocar isso como prioridade. Eu sou
uma imagem. Não tenho paciência para fazer um disco intimista.
Folha - Que lugar você gostaria de ocupar na MPB?
Ivete - Nada, nada. Apenas queria ter gerência sobre o que faço.
Tenho orgulho de ser elogiada
por Gil, Caetano. Falei com João
Gilberto no telefone e ele tocou e
cantou "Carro Velho" para mim
daquele jeito dele, quase me caguei toda. Somos da mesma cidade, Juazeiro, e já levei umas rapaduras para ele (ri). Um sobrinho
dele é amigo meu, e ele fez umas
encomendas de rapadura. Eu estava na Banda Eva, acho que foi
meu maior passo na música até
hoje (ri). As rapaduras foram "in
air" de Salvador ao Rio, by Ivete
Sangalo delivery. Mandei a rapadura com um bilhete. Passaram-se os anos e alguém da gravadora,
que assinou com ele também, me
contou que ele queria gravar comigo. Aí houve o telefonema no
meu escritório, conversei com ele,
disse que estava feliz de uma conterrânea dele ter atingido o sucesso merecido. Pediu um minuto,
pegou o violão e cantou.
Folha - E essa gravação dos
dois vai acontecer?
Ivete - Eu acredito que... tomara. Eu acredito que tomara, a frase
é essa.
Folha - Quais são suas referências na MPB?
Ivete - Sou muito fã de Elis Regina. Ela era meio como eu, versátil, movimentava o repertório.
Não estava nem aí com estética do
disco, com o que crítico ia falar.
Folha - É por isso que seu disco tem arranjos de Cesar Camargo Mariano, que foi marido dela
e músico dela e do Simonal, que
você também gravou agora?
Ivete - Tenho uma coisa para
falar. Eu sou Elis Regina (finge
chorar), fui num spa me esticar.
Brincadeira. Tenho discos instrumentais do Cesar, mas claro que o
conheci pelo trabalho dela também. O disco dela em Montreux é
maravilhoso, veridicamente ao
vivo. Não vamos entrar na questão, mas conheço discos ao vivo
que não são ao vivo.
Folha - Axé music ultimamente tem sido toda ao vivo...
Ivete - Não seja preconceituoso.
Garanto que o meu foi ao vivo.
Folha - Axé é uma moda?
Ivete - Não é moda. Diziam que
rock era moda, e Paralamas estão
aí até hoje e muitos grupinhos de
mentirinha se foram. Se não tem
consistência, não fica.
Folha - Quem ficou precisou se
adaptar ao fim do modismo.
Ivete - Mas tudo muda. Nada se
cria, tudo se copia.
Folha - Nada se cria, tudo se
copia?
Ivete - É.
Folha - Nada se cria?
Ivete - Não... Tudo se cria, tudo
se copia. Tem de se criar alguma
coisa. É a história do ovo e da galinha. Tem muita gente aí que fala
que está fazendo um "trabalho"
(dá entonação caricatural) e não
vejo acontecer nada. Se sua música não toca no rádio, companheiro, vá ver seu trabalho e seu disco.
Folha - O jabá ajuda muita
gente a tocar no rádio.
Ivete - E eu com isso? Não vou
mudar a índole humana.
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