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CRÍTICA
Moça da rapadura era de carne e osso
da Reportagem Local
Os supra-homens estão em
todo lugar. Na
música brasileira, especificamente na axé
music, os supra-homens seguem
suas vidas aeróbicas movidas a
dólar.
Autoprogramáveis, mexem a
bunda aqui, levantam os braços
ali, comandam a massa acolá.
Não se permitem nenhum erro,
pois são sempre perfeitos em sua
maquinalidade.
Clonam -aperfeiçoam- vícios de interpretação, forram o
pretexto da festa dionisíaca percussiva com sintetizadores desalmados, com sopros paralâmicos,
até com objetos de percussão que
acabam soando mais parecidos
com sintetizadores.
E Ivete Sangalo é o protótipo da
supra-mulher, pronta para o ciberespaço.
Não deixará que a questionem
tecnicamente, pois é perfeita, ainda que esganice seus vícios interpretativos feito louca.
O problema dos supra-homens
-e da supra-mulher- é que eles
são robôs (andróides, como diria
o conterrâneo baiano Tom Zé).
Plugados no piloto automático
e automatizados na festa-o-ano-inteiro-o-dia-inteiro -antes,
cantores de Carnaval lançavam
seus sambas-canção de meio de
ano, agora o Carnaval é espraiado
para agosto, setembro, outubro,
"Faustão", "Gugu" (bem, nem
tanto, que a música axé nem o disco solo da Ivete estão mais com
tanta bola).
Não é coincidência que Ivete invoque com a soul music, primeiro
gravando Cassiano (ainda com a
primeva Banda Eva, encenação
aeróbica do instante de criação,
para o novo mundo de Adão e
Eva supra-humanos, pós-Sasha) e
agora, solo, duetando com Ed
Motta ("Medo de Amar", olha o
título), aliciando o arranjador Cesar Camargo Mariano (papa do
soul branco em seus trabalhos
com Elis e Simonal), regravando
Simonal (em versão caribenha de
"Sá Marina").
Ivete quer provar que tem
"soul", embora fique claro que
não tem.
Soa menos viável aí que em "Canibal", que termina com uma garotinha, uma sashinha cantando
"vamos brincar de índio, mas sem
mocinho...". A imperatriz do novo mundo é Xuxa, robô-mãe, clonadora de menininhas, tiazinhas,
carlinhas, lucianos hucks.
Mulher de plástico, Ivete porta a
bandeira dos junkies do yuppismo, pulando aeróbica ("Música
pra Pular Brasileira" -Haroldo
Lobo, Novos Baianos, trio elétrico
e Xuxa despriorizados-, "100 o
Seu Amor", olha o título, "Tô na
Rua") para não se cansar, não
perder o pique.
Supra-mulher, faz bonitinho
com João Bosco em "Tenho Dito", mas trança as pernas ao tentar se humanizar.
Ela não pode, como a própria
cantora diz, ter ouvido a música
"Tenho Dito" a vida inteira, desde
os seus tempos de criança, porque
quando João Bosco cantou "Tenho Dito" ela já tinha 17 anos
-sua vida não é tão curta assim,
embora pareça.
Há quem diga que o tecno é técnico, seco, inumano, desalmado.
Talvez seja, em seus (muitos) extremos mais toscos e estéreis.
Assim é também a música popular brasileira.
De carne e osso mesmo era a
moça que levou rapadura para
João Gilberto. O velho mundo está morrendo.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Ivete Sangalo
Artista: Ivete Sangalo
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média
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