São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2010

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CRÍTICA CONTOS

Obra de Lima Barreto permanece à margem

Volume acrescenta novas facetas aos textos do autor, mas a variedade dos escritos prejudica o rigor da edição


MESMO NOS EXEMPLARES MAIS RESOLVIDOS DO CONJUNTO, A IDEIA DE "CONTO" QUE SE ENCONTRA NELES NÃO É TRIVIAL


ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O peso da obra de Lima Barreto (1881-1922) é usualmente medido na balança imprecisa do biografismo patético e do reflexo das contradições da época. O tamanho de sua literatura permanece nas margens da questão.
O lançamento de "Contos Completos de Lima Barreto", com organização e introdução de Lilia Moritz Schwarcz, deve ser saudado por acrescer muitos dados contextuais, fontes e papéis novos aos escritos de Lima, mas não altera esse cenário.
Por dois motivos principais. Primeiro, porque não problematiza a concepção de "conto" que totaliza frouxamente o conjunto dos textos -seja em relação à concepção da época, seja ao modo de Lima pensar o gênero.
Segundo, porque privilegia a coleta quantitativa de materiais editados, póstumos e inéditos, em estado de composição e de acabamento diversos, mais do que o rigor do estabelecimento textual do material publicado, sob condições editoriais precárias, em vida do autor.
Basta dizer em relação ao primeiro motivo que, sob o rótulo "conto", se enfeixam crônicas, relatos de "faits-divers", anedotas, comentários morais, políticos e de análise social e até peças de teatro.
Mesmo nos exemplares mais resolvidos do conjunto -que constam, por exemplo da primeira edição de "Histórias e Sonhos" (reeditada em 2008, pela Martins Fontes, por Antônio Arnoni Prado, e ignorada por Schwarcz)-, a ideia de "conto" que se encontra neles não é trivial.
Apenas para palpitar sobre o assunto, diria que sua estrutura mais comum -com longos exórdios, uns dialogados, outros evocativos e analíticos; acento nos caracteres e situações típicas em desfavor da ação; diálogos rápidos e humorísticos; provérbios e ditos populares; fechos dramáticos, favoráveis à leitura moralizada- tem um quê arcaizante, aparentado com a tradição dos "contos de proveito e exemplo", adaptado agora ao denuncismo social e ao exame de caso escandaloso ou patológico.

LEITURA DOCUMENTAL
O híbrido esquisito de naturalismo perscrutador e arcaísmo doutrinário pode explicar certas formas de emolduração dos eventos (como em "Mágoa que Rala"), de avanço gradual de episódios novelescos ("Hussein Ben-Áli Al-Bálec...") ou de feitio circular ("Sua Excelência").
Já o segundo motivo, o da recolha maximalista, se evidencia pela reunião dos textos conforme o seu aparecimento nas edições, até a inclusão dos inéditos da Biblioteca Nacional, com trechos ilegíveis e incompletos.
Resulta daí um efeito de ajuntada, não isenta dos critérios pouco claros e defeitos dessas edições de origem. As copiosas notas são bastante elucidativas das contingências sociais e históricas do Rio da virada de século, bem como dos locais originais de publicação.
Saem, porém, um pouco prejudicadas pela decisão de colocá-las todas juntas ao final, sem distinção das que se referem à introdução de Schwarcz, das que informam as fontes originais das transcrições e das que são de cunho interpretativo.
Tais aspectos favorecem a leitura como massa documental relevante (embora um historiador criterioso vá se obrigar a ir aos jornais em que os textos apareceram, não se contentando com a vista da edição atualizada), mas tendem a diluir o juízo da composição artística.


ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp

CONTOS COMPLETOS DE LIMA BARRETO

AUTOR Lima Barreto
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 48 (712 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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