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livros
Lobão conta "vida bandida" em livro
Autobiografia "Lobão - 50 Anos a Mil" relata relações do cantor com as drogas, o crime, a morte e a música
Obra foi escrita a quatro mãos com o jornalista Claudio Tognolli, que se encarregou da pesquisa em jornais e revistas
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO
Depois de receber do pai
um soco na cara, Lobão começou a gritar para que saísse do quarto enquanto terminava de fazer as malas. Estava sendo expulso de casa.
O velho não saía. Avistou,
então, os dois violões em cima da cama. Ainda pensou:
"O preto ou o de nylon?". O
de nylon. Pegou o instrumento e fez dele uma clava.
Deu com força na cabeça
do pai repetidas vezes. O homem caiu no chão, arrastou-se para fora do quarto tentando fugir dos golpes, que continuavam. Apanhava em silêncio. Ensanguentado, conseguiu chegar à escada.
Em última tacada, o filho o
empurra pelos degraus. Só
sossegou porque não havia
mais violão para continuar
batendo. Em seguida, chamou a irmã: "Vamos sair deste hospício". Nunca mais voltou para casa. Tinha 19 anos.
Hoje, aos 53, o músico reúne histórias como essa -algumas ainda mais pesadas-
na volumosa autobiografia
"Lobão - 50 Anos a Mil".
O livro foi escrito com o jornalista Claudio Tognolli. Enquanto o biografado ia fundo
nas próprias lembranças,
Tognolli fazia a pesquisa factual: compilava notícias publicadas nos últimos 30
anos, recolhia os inúmeros
processos judiciais que Lobão teve de responder, entrevistava outros personagens.
O material jornalístico não
se mistura às memórias, só as
completa. Vem intercalado
em capítulos à parte que, segundo Lobão, estão lá "pra
ninguém dizer que sou louco
e estou inventando história".
O leitor impaciente pode
pular esses capítulos sem nenhum prejuízo da narrativa.
Mas é fato que, de tão extraordinárias, muitas das peripécias narradas parecem
mesmo pura invenção.
Como o evento da primeira
masturbação. Menino carola
(pensava em ser padre), era
fascinado pela figura do Jesus crucificado, "tinha tesão
naquela sunguinha". Construiu, na oficina caseira do
pai, uma cruz de seu próprio
tamanho e arrastou-a nas
costas até o quarto. Fez ali
sua solitária estreia sexual.
Outro episódio inacreditável tem como cenário o velório do poeta Julio Barroso
(1953-1984). Prestando "uma
última homenagem" ao amigo e parceiro morto, Lobão e
Cazuza cheiraram cada um
uma carreira de cocaína sobre o tampo do caixão.
INDIANA JONES
Lobão conta que escreveu
exatamente 871 páginas de
memórias. Jogou fora dois
terços delas na edição final.
"Eu me tratei como um
personagem", diz. "No começo, estava seguindo um
caminho mais existencialista. Depois, optei pela velocidade e intensidade. Como se
eu fosse um Indiana Jones."
As aventuras do mocinho
se confundem sempre com a
do bandido. Incluem um período de três meses na cadeia, condenado por porte e
consumo de drogas. E, após a
saída da prisão, uma relação
íntima com traficantes e outros marginais nos morros
cariocas.
Há contos divertidos, como o dia em que ele e a irmã
obrigaram a mãe a fumar maconha. Ou o golpe que deu na
Blitz, uma de suas bandas,
escondendo deles que ia sair
em carreira solo só para aparecer junto da turma numa
capa de revista.
Outros casos são trágicos.
Somam-se crises de depressão, tentativas de suicídio
dele (por overdose de Rivotril) e da mãe -que, por fim,
conseguiu acabar com a própria vida e ainda deixou uma
carta culpando ele, o filho.
"O livro inteiro sou eu morrendo muitas vezes, de várias
maneiras", ele diz. "E depois,
sempre, me reinventando."
É mais que isso. A partir de
sua trajetória turbulenta, Lobão traça um painel daquela
geração da música pop brasileira, construída e consagrada entre o final dos anos 1970
e meados dos 1980.
Percorrem o livro, entre
tantos, Marina Lima, Ritchie,
Cazuza, Lulu Santos, Evandro Mesquita, os Titãs, a
Gang 90, Herbert Vianna.
Os desentendimentos com
este último mereceram espaço generoso. Lobão coleciona uma série de histórias
que, segundo ele, comprovam uma "obsessão" do líder
dos Paralamas do Sucesso
por sua pessoa -incluindo
plágios e sabotagens.
"Lobão - 50 Anos a Mil"
termina quando o cantor
chega a São Paulo para morar, em 2008. É vida nova.
"O que mais me deixou orgulhoso é que o livro está
bem escrito", diz. "Se, teoricamente, tudo o que eu contei ali fosse mentira, ele valeria como um bom romance."
50 ANOS A MIL
AUTORES Lobão e Claudio Tognolli
EDITORA Nova Fronteira
QUANTO R$ 59,90 (752 págs.)
LANÇAMENTO hoje, às 22h30, na
Livraria Cultura do Conjunto
Nacional (av. Paulista, 2.073; tel.
0/xx/11/3170-4033)
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