São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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TRECHO

Não sei se meus leitores perceberam que as águas do Bósforo estão secando. Acho que não. Enquanto nos entretemos todos com a matança desenfreada que vem tomando conta das nossas ruas, [...] quem teria tempo para ler ou descobrir o que acontece pelo mundo? Já é difícil acompanhar nossos cronistas -lemos seus textos enquanto nos acotovelamos em nossas estações das barcas, enquanto nos aglomeramos nos pontos de ônibus repletos, enquanto bocejamos sentados nos bancos dos táxis coletivos com as letras trêmulas diante dos nossos olhos. Encontrei a notícia de que lhes falo numa revista francesa de geologia.
O mar Negro, dizem, vem se aquecendo, enquanto o Mediterrâneo se resfria. Eis por que as águas começaram a se despejar em fossas gigantescas ao pé das plataformas continentais, que assim se afastam; em conseqüência desses movimentos tectônicos, o fundo dos estreitos de Gibraltar, de Dardanelos e do Bósforo começou lentamente a emergir. Depois que um dos últimos pescadores que ainda restam nas margens do Bósforo me contou que seu barco tinha encalhado num lugar onde antes, para tocar o fundo com a âncora, era necessária uma corrente da altura de um minarete, ele me perguntou: Será que o primeiro-ministro não se interessa nem um pouco pelo problema?


Extraído de "O Livro Negro", de Orhan Pamuk


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