São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

madrugada adentro

João Wainer/Folha Imagem
Letícia Sabetella e Wagner Moura,
em cena na Paulista, ao nascer do sol


Liderado pelo diretor Guel Arraes, um grupo de estrelas da televisão, como Letícia Sabatella e José Wilker, vira a noite nos arredores da avenida Paulista para a filmagem do longa-metragem "Romance"

São 23h e um caminhão encosta na alameda Ministro Rocha Azevedo, quase na esquina com a avenida Paulista. Tripés e holofotes começam a ser descarregados. Do outro lado da rua, o diretor Guel Arraes ("O Auto da Compadecida") está sentado em um banco de concreto, mordendo a haste dos óculos de grau, enquanto relê o roteiro de "Romance", seu novo filme. "Vamos filmar aqui", diz, apontando a entrada do restaurante que servirá de locação. A filmagem do longa -uma história de amor entre dois atores, Ana (Letícia Sabatella) e Pedro (Wagner Moura)- vai atravessar a madrugada.

 

Horas antes, o elenco do filme ocupava as mesas da calçada do restaurante Sujinho, na rua da Consolação. Estão lá Letícia, Wagner, José Wilker, além de Guel. A primeira idéia era jantar em um restaurante self-service da Paulista, mas a produção abortou o plano por achar o local "muito trash". "Sabe como é, o orçamento é pequeno [R$ 3 milhões], mas lá não dava", explica a produtora executiva Olívia Castro.
 

Já na locação -entre o restaurante e uma fonte de água atrás do prédio do Tribunal Regional Federal-, mais de 30 pessoas, entre produtores e carregadores, comunicam-se via rádio. Dois contínuos sobem ao telhado do restaurante para instalar o equipamento de iluminação. A assessoria de Arraes avisa: ele não pode, em hipótese alguma, ser interrompido pela reportagem. Gosta de trabalhar em silêncio.
 

É quase uma hora da manhã quando os atores chegam ao set, de táxi. "Agora é hora de se livrar do pessoal, gente! Vamos ensaiar", grita o diretor, na frente dos clientes curiosos do restaurante, que continua funcionando.
 

Primeira cena da noite. Danilo (Wilker) sai da mesa dizendo: "Jantar em SP, café da manhã no Rio... É o mundo ideal". Ana (Letícia) e Fernanda (Andréa) conversam, bêbadas. Despedem-se. "Não! Não! Mais lento, pessoal!", reclama Guel aos atores, que acertam na segunda tentativa. "Ficou ótimo."
 

Fora da cena, Andréa troca o salto por havaianas azuis. Pede um guaraná. Letícia e Wilker acomodam-se ao lado dela. Pedem drinks. "Você é meu "xota" [jota] preferido", diz Letícia, que contracenou com Wilker na minissérie "J.K.", da Globo. "Xota cá, xota cá!", brinca Andréa, apontando para os quadris. "Tem o Jango, o Jânio...", enumera Wilker. "Eu gostava mesmo é daquele da vassourinha", interrompe Andréa, referindo-se a Jânio Quadros. Guel se aproxima. ""Tô" fazendo [a personagem] meio bêbada", diz Andréa. "Não ficou exagerado?", pergunta. ""Tá" ótimo. Só cuidado com a bebida", responde o diretor, que também é seu ex-marido. "É a Letícia que "tá" bebendo, ó!", ela aponta. "Esse Johnnie Walker...", diz Letícia. Andréa avisa à coluna: "Ai, gente, mas eu não "tô" bebendo". Quase sempre calado, Wagner Moura, que segura um pires com uma xícara de chá, justifica-se: "Olha, eu não "tô" fazendo a linha de quem não bebe, não".
 

Wilker roda suas três cenas da noite. Trabalho feito, acende um cigarro. "Existe uma postura de quem faz showbiz no Brasil que é de que temos de ter o padrão hollywoodiano. É um excesso de auto-estima que beira a megalomania. Mais até em TV que em cinema." E continua: "Mas isso é bom. Ninguém faz TV como o brasileiro faz". Guel também defende o veículo: "A TV produz há muito tempo, ininterruptamente. O cinema brasileiro ainda tem espaço para o experimental. Eu sou mais de TV. Fui do mundo alternativo para a TV e, agora, para o cinema. Tenho personalidade esquizofrênica". Sobre o papel de Wilker, um produtor de TV, Guel comenta: "É um personagem da elite, mas é inteligente. De maneira geral, a elite brasileira não é muito esclarecida. Mas nada contra, nada a favor...".
 

Às 3h, surpresa no set. O elenco recebe a visita de Marieta Severo, Dira Paes, Marco Nanini, Guta Stresser e Branco Mello, recém-saídos da pré-estréia de "A Grande Família - O Filme". "Eu vim fazer figuração pra vocês", brinca Marieta, dando beijinho nos atores. Nanini, acomodado em uma mesa, pede um, dois, três martinis. Guta, com um paletó cobrindo seu vestido, dá um selinho em Wagner Moura. Dira desce do táxi apenas para um "oi" geral, acenando com as mãos.
 

Nova cena: a figurante Daniela Bavoso, 27, passará na frente da câmera. Veste sobretudo de veludo e scarpin de salto agulha. "Sou atriz há três anos. Eles me ligaram hoje à tarde e disseram que era pra vir filmar com o Zé [Wilker], a Letícia...", conta. Ganhará R$ 500 pelo trabalho. "Não "tô" aqui pelo cachê. O que dá dinheiro é publicidade." Daniela conta que já estrelou campanhas da Telemar, Brasil Telecom, Unibanco e Lacta. "A gente ganha uns R$ 3 mil, R$ 8 mil, 12 mil."
 

Às 5h, a figurante está liberada. Só continuam Wagner Moura e Letícia Sabatella, para a cena final, o nascer do sol na avenida Paulista. "A mensagem do filme é amorosa. Eu acho que é o amor que transforma. Meu Deus é transformação. Sou uma apaixonada pela vida, pelos movimentos de transformação", fala Letícia, tão baixinho que parece sussurrar.
 

A filmagem do nascer do sol na Paulista é complicada. São quase 7h e o tráfego é intenso. "Corta! Muito barulho! Muito barulho! Vamos ter que esperar o ônibus passar", diz Guel. Os ônibus se vão e, por volta das 7h30, o grupo comemora entre aplausos e abraços: está na lata o rolo de filme número 100.
 

"Quando pensei em "Romance", lembrei do Domingos Oliveira, quando fez "Todas as Mulheres do Mundo" no meio do Cinema Novo." Oliveira foi taxado de "alienado" na época. "Me sinto fora dessa linha de "nova onda do Cinema Novo", como "Cidade de Deus", "Carandiru", "Cidade Baixa". "Romance" é apenas um filme de amor."

AUDREY FURLANETO (reportagem)



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