São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

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comentário

Corpo fica ao alcance de todos em exposição

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Logo no início do curso na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, nós, alunos, fomos levados ao necrotério da faculdade, onde teríamos aulas práticas de anatomia. Ali, sobre mesas de alumínio e num ambiente saturado por vapores de formol, estavam cerca de 20 cadáveres. Visão lúgubre; alguns colegas chegaram a passar mal e levaram algum tempo até se recuperar.
Não acontecerá o mesmo na exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante", ora em São Paulo, criada por Roy Glover, da Universidade de Michigan.
O pioneiro na área foi Gunther von Hagens, professor de anatomia na Universidade de Heidelberg, Alemanha. Em 1978, Von Hagens introduziu um método de conservação do cadáver mediante o uso de substâncias plásticas. A exposição que preparou correu mundo, desencadeando controvérsias. O objetivo é educar o público sobre a anatomia humana, e isto de fato acontece: para muitas pessoas é uma chance única de conhecer o corpo por dentro, de uma forma que, em geral, não provoca horror nem repulsa. Ao contrário, e esta foi uma objeção à mostra, parece haver uma glamourização, talvez até grotesca, da morte.
Na mostra de Von Hagens havia um cadáver masculino carregando a própria pele e um outro ajoelhado, em posição de prece, com o coração nas mãos. Outra restrição dizia respeito à origem dos cadáveres usados na pesquisa da técnica de preservação (não os da mostra), que teriam sido obtidos na China sem o prévio consentimento dos mortos ou de suas famílias.
Restrições à parte, há um argumento em favor dessas mostras: substituem a idéia de morte pela idéia do corpo, inclusive de forma didática, mostrando o esqueleto, os sistemas orgânicos e avanços tecnológicos, como próteses. A orientação dos visitantes, sobretudo jovens, é essencial, e professores terão aí papel importante.
O conhecimento da anatomia é relativamente recente; até o século 16 os médicos não sabiam como é o corpo humano por dentro: dissecar cadáveres era proibido pela religião. Graças à visão do médico belga Andreas Vesalius a anatomia passou a fazer parte da formação médica. Que o conhecimento seja democratizado e popularizado de forma ética é um objetivo muito desejável.


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