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comentário
Corpo fica ao alcance de todos em exposição
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Logo no início do
curso na Faculdade de Medicina de
Porto Alegre, nós, alunos,
fomos levados ao necrotério da faculdade, onde teríamos aulas práticas de
anatomia. Ali, sobre mesas
de alumínio e num ambiente saturado por vapores de formol, estavam
cerca de 20 cadáveres. Visão lúgubre; alguns colegas chegaram a passar mal
e levaram algum tempo
até se recuperar.
Não acontecerá o mesmo na exposição "Corpo
Humano: Real e Fascinante", ora em São Paulo, criada por Roy Glover, da Universidade de Michigan.
O pioneiro na área foi
Gunther von Hagens, professor de anatomia na
Universidade de Heidelberg, Alemanha. Em 1978,
Von Hagens introduziu
um método de conservação do cadáver mediante o
uso de substâncias plásticas. A exposição que preparou correu mundo, desencadeando controvérsias. O objetivo é educar o
público sobre a anatomia
humana, e isto de fato
acontece: para muitas pessoas é uma chance única
de conhecer o corpo por
dentro, de uma forma que,
em geral, não provoca horror nem repulsa. Ao contrário, e esta foi uma objeção à mostra, parece haver
uma glamourização, talvez
até grotesca, da morte.
Na mostra de Von Hagens havia um cadáver
masculino carregando a
própria pele e um outro
ajoelhado, em posição de
prece, com o coração nas
mãos. Outra restrição dizia respeito à origem dos
cadáveres usados na pesquisa da técnica de preservação (não os da mostra),
que teriam sido obtidos na
China sem o prévio consentimento dos mortos ou
de suas famílias.
Restrições à parte, há
um argumento em favor
dessas mostras: substituem a idéia de morte pela
idéia do corpo, inclusive
de forma didática, mostrando o esqueleto, os sistemas orgânicos e avanços
tecnológicos, como próteses. A orientação dos visitantes, sobretudo jovens, é
essencial, e professores terão aí papel importante.
O conhecimento da anatomia é relativamente recente; até o século 16 os
médicos não sabiam como
é o corpo humano por
dentro: dissecar cadáveres
era proibido pela religião.
Graças à visão do médico
belga Andreas Vesalius a
anatomia passou a fazer
parte da formação médica.
Que o conhecimento seja
democratizado e popularizado de forma ética é um
objetivo muito desejável.
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