São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

Com orçamento de R$ 1 milhão, diretor tenta furar bloqueio do hermetismo no 30º longa de sua carreira

Bressane convoca Eros contra o tempo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Em 38 anos de carreira, composta por 30 longas, Julio Bressane, 58, teve pouca chance de chegar ao grande público.
Seja pela ação repressora da censura (que interditou vários de seus filmes), pela indiferença do mercado ou pela própria dificuldade de seu cinema experimental e erudito, sua obra ficou com o estigma de hermética. Biscoito fino para poucos.
"Filme de Amor", que estréia hoje em São Paulo, Rio, Brasília e Belo Horizonte, tenta furar esse bloqueio.
Contando pela primeira vez com um produtor, Tarcísio Vidigal, Bressane teve seu maior orçamento, R$ 1 milhão, para explorar a seu modo o antigo mito das três Graças. Num apartamento decadente, três modestos cidadãos de subúrbio (duas mulheres e um homem) reúnem-se para um interlúdio de prazer dos sentidos e do intelecto.
"Filme de Amor" ganhou os prêmios de filme, fotografia e música no Festival de Brasília. Bressane, que se prepara para filmar sua versão do mito de Cleópatra, falou à Folha sobre o filme, sobre suas motivações e sobre o amigo Rogério Sganzerla, morto em janeiro último.
 

MOTIVAÇÃO - "Passei anos estudando a literatura e a pintura referentes às três Graças. Procurei seu significado, o significado platônico, o significado aristotélico, a que tipo de filosofia o jogo e as metamorfoses do jardim de Vênus estão ligados. Obviamente as centenas de representações das três Graças foram uma coisa que acompanhou a construção desse filme."

HOMENS COMUNS - "Como já foi observado por muitos estudiosos, o mito sai da miséria. Então, veio a idéia de fazer com que essa fábula suburbana também saísse da miséria. Daí a ênfase nessa questão do homem comum e o próprio sentido da vida escrava do trabalho. O dom que você possa ter de criar um hiato no calvário, de sentir prazer. Mesmo que a coisa depois retorne, e que essa civilização do trabalho seja triunfante."

PORNOGRAFIA - "Meu filme tem uma aproximação muito grande com o filme pornográfico. É um cinema tabu, de que você não fala, não vê, e é talvez o cinema mais popular. Como qualquer outro gênero, tem bom e mau cinema. No "Tabu" [de 1982], tive a sorte de ter em mãos alguns exemplos de filmes pornográficos mudos dos anos 20 e 30, franceses e alemães, e selecionei algumas cenas que considerei pérolas de cinema. O problema do filme pornográfico é a dificuldade de ver as próprias cenas. É uma coisa que perturba de tal maneira que você não tem serenidade para poder julgar. As pessoas ficam muito abaladas com o filme pornográfico."

SGANZERLA - "Para mim, "O Signo do Caos" teve o impacto que deve ter tido, na sua época, a anatomia do [Friedrich] Henle. De você descobrir que dentro daquele negócio tem uma nova ciência, uma ciência sem nome, essa do signo cinematográfico. O Rogério era talvez um dos cineastas mais eruditos de todo o cinema. O Rogério é maior que o Godard. Mas teve que fazer a costura da bolsa do lado contrário. Ele inventou no Brasil uma coisa que até hoje não se conseguiu fazer, que é o cinema popular sofisticado. Ele criou isso com "O Bandido da Luz Vermelha" e sobretudo com "A Mulher de Todos"."

CLEÓPATRA - "A "Cleópatra" que vou fazer é uma versão cinematográfica do mito antigo da Cleópatra. É o signo da Cleópatra sob o ponto de vista do que existiu de narrativa textual sobre ela, que é sobretudo o texto de Plutarco. Não é uma versão moderna, nova, da Cleópatra, mas o contrário: é uma versão antiga da Cleópatra."


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