São Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 2007

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Crítica/"Princesas"

Aranoa humaniza prostituição feminina

CRÍTICO DA FOLHA

De "Oharu - A Vida de uma Cortesã" (Mizoguchi) a "Uma Linda Mulher" (Garry Marshall), passando por "Noites de Cabíria" (Fellini), não foram poucas as vezes que o cinema recorreu à prostituição como forma, sobretudo, de pintar retratos da condição e alma femininas.
Depois do ótimo "Segunda-Feira ao Sol", o diretor espanhol Fernando León de Aranoa retoma a idéia e alcança um belo resultado em "Princesas".
Também na esteira de Giulieta Masina, Anna Karina, Jane Fonda e tantas outras atrizes, sua protagonista, Candela Peña (Caye), ilumina e enche de humanidade um personagem que, desde o vocabulário, já vem manchado de origem pela degradação.
Como em seu filme anterior, o olhar de Aranoa conjuga a crítica social e um grande afeto por seus tipos. A primeira resulta da entrada em cena de Zulema (a linda Micaela Nevárez), uma dominicana que vive clandestina na Espanha e mantém o filho negociando sua opulência física com o desejo masculino. Sua aproximação de Caye atravessa várias etapas, partindo da concorrência individualista num mercado acirrado até culminar no vínculo fraternal que funciona, para ambas, como defesa contra a exclusão.
A tendência de retrato de mulheres levou críticos a vincularem o longa-metragem ao universo de Pedro Almodóvar, usando a grife seja para vendê-lo por identificação, seja para denegri-lo como um subproduto. Só esquecem que o próprio Almodóvar é também fruto de uma extensa linhagem de ficções do feminino que atravessa toda a história do cinema.
O que distingue o trabalho de Aranoa não se resume à ênfase social, apesar de esta ser trabalhada em detalhe, da repressão policial à angústia causada pela ilegalidade e ao abuso que Zulema está sujeita pelo status de clandestina.
Ele se impõe pelo humanismo do olhar, que consegue alcançar sem precisar acentuar sentimentalismos. E, mais ainda, por seu modo de filmar os momentos fortes, acentuando o impacto com uma estratégia invertida: posiciona a câmera à distância, registra as personagens de modo parcial e encena fugindo do obsceno e do óbvio.
Por outro lado, conduz o espectador a descarregar toda a simpatia no personagem de Caye, ao fazê-la passar por situações típicas da prostituição, como a subserviência e a carência emocional, coloridas pelas ótimas canções de Manu Chao.
Ao escolher o uso da câmera na mão, além de acentuar o realismo na aproximação dos corpos, o diretor obtém um frescor na representação, como nas belas imagens de "trottoir" que evocam as perambulações noturnas da Cabíria felliniana. Como aquela, é na solidão do desejo que essas "princesas" se tornam humanas. (CSC)


PRINCESAS
Direção:
Fernando León de Aranoa
Produção: Espanha, 2005
Com: Candela Peña e Micaela Nevárez
Quando: veja no roteiro à pág. E4
Avaliação: bom


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