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Crítica/"Princesas"
Aranoa humaniza prostituição feminina
CRÍTICO DA FOLHA
De "Oharu - A Vida de
uma Cortesã" (Mizoguchi) a "Uma Linda
Mulher" (Garry Marshall), passando por "Noites de Cabíria"
(Fellini), não foram poucas as
vezes que o cinema recorreu à
prostituição como forma, sobretudo, de pintar retratos da
condição e alma femininas.
Depois do ótimo "Segunda-Feira ao Sol", o diretor espanhol Fernando León de Aranoa
retoma a idéia e alcança um belo resultado em "Princesas".
Também na esteira de Giulieta Masina, Anna Karina, Jane Fonda e tantas outras atrizes, sua protagonista, Candela Peña (Caye), ilumina e enche
de humanidade um personagem que, desde o vocabulário,
já vem manchado de origem
pela degradação.
Como em seu filme anterior,
o olhar de Aranoa conjuga a crítica social e um grande afeto
por seus tipos. A primeira resulta da entrada em cena de Zulema (a linda Micaela Nevárez),
uma dominicana que vive clandestina na Espanha e mantém
o filho negociando sua opulência física com o desejo masculino. Sua aproximação de Caye
atravessa várias etapas, partindo da concorrência individualista num mercado acirrado até
culminar no vínculo fraternal
que funciona, para ambas, como defesa contra a exclusão.
A tendência de retrato de
mulheres levou críticos a vincularem o longa-metragem ao
universo de Pedro Almodóvar,
usando a grife seja para vendê-lo por identificação, seja para
denegri-lo como um subproduto. Só esquecem que o próprio
Almodóvar é também fruto de
uma extensa linhagem de ficções do feminino que atravessa
toda a história do cinema.
O que distingue o trabalho de
Aranoa não se resume à ênfase
social, apesar de esta ser trabalhada em detalhe, da repressão
policial à angústia causada pela
ilegalidade e ao abuso que Zulema está sujeita pelo status de
clandestina.
Ele se impõe pelo humanismo do olhar, que consegue alcançar sem precisar acentuar
sentimentalismos. E, mais ainda, por seu modo de filmar os
momentos fortes, acentuando
o impacto com uma estratégia
invertida: posiciona a câmera à
distância, registra as personagens de modo parcial e encena
fugindo do obsceno e do óbvio.
Por outro lado, conduz o espectador a descarregar toda a
simpatia no personagem de Caye, ao fazê-la passar por situações típicas da prostituição, como a subserviência e a carência
emocional, coloridas pelas ótimas canções de Manu Chao.
Ao escolher o uso da câmera
na mão, além de acentuar o realismo na aproximação dos corpos, o diretor obtém um frescor
na representação, como nas belas imagens de "trottoir" que
evocam as perambulações noturnas da Cabíria felliniana.
Como aquela, é na solidão do
desejo que essas "princesas" se
tornam humanas.
(CSC)
PRINCESAS
Direção: Fernando León de Aranoa
Produção: Espanha, 2005
Com: Candela Peña e Micaela Nevárez
Quando: veja no roteiro à pág. E4
Avaliação: bom
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