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TEATRO
Ex-secretário municipal da Cultura estréia no dia 4 peça baseada em Dostoiévski e comenta crise do PT e gestão Serra
Frateschi mergulha em dilemas éticos
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Três dias depois do final da gestão do PT na Prefeitura de São
Paulo (2001-2004), o ator e ex-secretário da Cultura Celso Frateschi já mergulhava na adaptação
teatral de um conto do russo Fiodor Dostoiéski (1821-1881), "Sonho de um Homem Ridículo".
É a história algo surrealista de
um sujeito ensimesmado, às turras com a autoconsciência do ridículo que o assombra desde a infância. No espetáculo solo, Frateschi, 53, transformou o protagonista em funcionário público, como que sublinhando a lida com o
poder que ele mesmo experimentou. Daí a recrudescente atualidade do texto em meio à crise que
abala o PT e o governo Lula.
Na viagem onírica que o projeta
para outro planeta, o homem dostoievskiano parece ir ao longe para melhor enxergar a Terra, a si e a
seus semelhantes, num processo
de dor e tristeza, busca de uma
verdade possível no reino das
aparências éticas.
A seguir, trechos da entrevista
com Frateschi, 35 anos de teatro.
Folha - Você saiu da secretaria,
converteu o protagonista em funcionário público. O projeto tem a
ver com sua experiência com o poder?
Celso Frateschi - Sem dúvida nenhuma. O bom do teatro é isso: é
uma profunda reflexão sobre a vida. Eu não imaginava que fosse
acontecer o que está acontecendo
dentro do PT. E o texto resultou
de uma violência, de uma contundência, de uma contemporaneidade, do ponto de vista ético
-que é questão básica em Dostoiévski, que nem de longe pensei
que ia ter essa força que tem.
Folha - Como vê a atual crise política do país?
Frateschi - O destino da história
do PT está colocado numa encruzilhada que pode ser fundamental
para o país. Torço para que se punam os culpados. O medo é que se
perca o foco nessa briga contra a
corrupção. Claro que fico triste e
preocupado em ver gente histórica do partido, como o [José] Genoino, que não teve nada pessoalmente, mas fez uma ação que gerou uma confusão do cão.
É por isso que "Horácio" vem a
calhar [texto do alemão Heiner
Muller, outro solo do ator]. Horácio vence a guerra por Roma e,
entusiasmado, acaba matando
também a irmã, noiva do homem
com quem duelou.
Ele é julgado pelos romanos,
que sabiamente lhe dão o louro,
como herói, mas também o machado, como assassino. É uma
crueldade que a história demanda. Tem de ser assim. São dirigentes de cerca de 800 mil filiados, de
50 milhões de pessoas que acreditaram e votaram no presidente.
Folha - Depois que deixou a secretaria, teve encontros com Emanoel
Araújo ou Carlos Augusto Calil [respectivamente, o ex e o atual secretário da Cultura]?
Frateschi - Com o Emanoel tive
vários, antes de ele assumir. Foi
surpreendente a virada de discurso dele, até uma reação patética,
mas ele já pediu desculpas públicas, até lhe mandei flores. Acho
que foi vítima do [José] Serra, mal
informado pelo gabinete. Tenho o
maior respeito pelo Emanoel.
Com o Calil, surpreendeu-me
muito, de forma negativa. Ele participou do governo, não precisava
ter invertido tanto, principalmente no que diz respeito à [biblioteca] Mário de Andrade. Usou números errados. Ele sabe que o que
conseguiu fazer no Centro Cultural São Paulo, por exemplo, foi
porque o orçamento pulou de R$
2 milhões para R$ 8 milhões, e fui
eu quem fiz isso, não foi à toa. Não
tive contato com ele nem quero.
Folha - Sua atuação administrativa foi marcada pela reafirmação de
políticas públicas. Essa filosofia pode ser disseminada?
Frateschi - Deixei uma contribuição para ser analisada positiva
ou negativamente por qualquer
governo. Hoje, você tem um governo [na cidade de São Paulo]
que se pauta para ser contrário ao
governo anterior.
Infelizmente, os programas de
cultura não foram votados, sempre ficam na sombra dos outros
programas. Vejo com muita tristeza alguns abandonos, como o
Museu da Cidade, que tem verba
depositada no Instituto Florestan
Fernandes, cerca de R$ 6 milhões,
R$ 7 milhões, e dinheiro do BID
para ser reformado, R$ 15 milhões
ou R$ 20 milhões, e todas as ações
são de pé no freio, de não se tocar
o Museu da Cidade por ser uma
marca do governo anterior. A
própria Galeria Olido, que tinha
dinheiro de patrocinador, e não
da prefeitura.
E a maior tristeza de todas, de
chorar, que é o abandono dos
CEUs, uma visão pedagógica que
compreendia cultura, esporte e
educação. Eles descaracterizaram, malharam tanto, que a primeira ação foi tirar a responsabilidade da ação cultural da Secretaria da Cultura. Isso é jogar fora os
21 centros culturais. E isso com dinheiro constitucional, não tem
como falar que não tem. Com a
Mário de Andrade foi a mesma
coisa, todo o processo de reativação descaracterizou o trabalho já
feito. O problema é quando o debate não atinge o nível propositivo e sim o da desqualificação.
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