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CINEMA
Andrade constrói épico do Brasil Central
Divulgação
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Cidade cenográfica próxima a Pirenópolis (TO), onde foi rodado "O Tronco", filme de João Batistas de Andrade, baseado em livro de Bernardo Élis
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LEONARDO CRUZ
da Redação
"Este livro é dedicado aos humildes
vaqueiros, jagunços, soldados, homens, mulheres e meninos sertanejos
mortos nas lutas dos coronéis e que
não tiveram sequer uma sepultura."
Bernardo Élis, na dedicatória do romance "O Tronco"
Entre 1917 e 1918, em Vila do Duro, cidadezinha do Norte de Goiás
(atual Tocantins), a disputa pelo
poder político entre coronéis latifundiários da região e do sul do
Estado provocou uma guerra entre tropas governistas e um exército de jagunços, com um saldo de
centenas de mortes para ambos os
lados. Baseado nesses fatos, que
chegaram aos seus ouvidos ainda
na infância, o goiano Bernardo
Élis escreveu o romance "O Tronco", um livro-denúncia sobre a
evolução social de seu Estado no
começo do século.
Há cerca de um mês, depois de
nove semanas de filmagens, o diretor João Batista de Andrade acabou de rodar, em uma cidade cenográfica localizada próximo a Pirenópolis (TO), a versão cinematográfica da obra de Bernardo Élis.
"É um épico!", grita Andrade,
definindo seu 11º longa, cujo orçamento bateu na casa dos R$ 3 milhões, o maior entre seus filmes.
Na história adaptada pelo cineasta mineiro, o estopim para a
crise é a presença de Vicente Lemos (Angelo Antonio) coletor de
impostos que segue, a mando do
governo, para fiscalizar o Norte de
Goiás. Mesmo sendo parente do
principal coronel da região, Pedro
Melo (Rolando Boldrin), ele pretende cumprir a lei, arrecadando
tributos de todos, sem distinção.
A tentativa, frustrada, aliada a
outros incidentes ocorridos entre
Vicente e a família Melo, atrai para
a região uma tropa de 300 soldados governistas comandada pelo
juíz Carvalho (Antonio Fagundes)
e pelo capitão Seixo de Brito (Chico Diaz), armando o confronto.
Para Andrade, "O Tronco'
permite entender um pouco a história daquela região do Brasil, do
começo da República, da questão
da terra e da estrutura social".
Atualmente, o filme está em fase
de montagem e deve chegar aos cinemas brasileiros em março de 99.
Leia a seguir trechos da entrevista
de João Batista de Andrade à Folha, feita por telefone, de sua casa,
em Barra do Garça (MT).
Folha - Quando surgiu a idéia de
adaptar "O Tronco" para o cinema?
João Batista de Andrade - Em
1968, antes mesmo de fazer meu
primeiro filme, fui a Goiânia e
acertei a aquisição dos direitos
com o próprio Bernardo Élis. Mas
sabia que não iria conseguir filmá-lo tão cedo, não do jeito que eu
queria. Só voltei a mexer no projeto em 97, com o surgimento das
leis de incentivo fiscal, quando
consegui captar a verba necessária.
Folha - Bernardo Élis foi um escritor ligado à esquerda brasileira.
Você se diz um cineasta de esquerda. Você considera sua adaptação
de "O Tronco" um "filme de esquerda"? É possível fazer "filmes
de esquerda" no cinema atual?
Andrade - Voltei ao cinema
com "O Cego Que Gritava Luz".
Dele, duas coisas são certas: continuei de esquerda e fiz um filme sobre a derrota. Com a consciência
de quem tinha perdido as utopias e
cujos ideais haviam caído.
Hoje, acredito que ser de esquerda não é ficar fazendo pregação. É
tentar entender o que acontece
com os ideais quando eles têm um
embate com a sociedade. Em "O
Tronco", isso está muito forte na
figura do Vicente. É uma pessoa
que vê suas idéias entrarem em
conflito com os problemas da sociedade, que passam por cima e arrebentam com tudo. Conflitos sociais são mais fortes do que qualquer utopia da esquerda.
Folha - Então, se "O Cego Que
Gritava Luz" representava a derrota, o que "O Tronco" representa?
Andrade - Para mim, é uma redescoberta. O filme não é o Vicente, que é o personagem que, como
eu, como o Bernardo, achava que
podia transformar a sociedade só
com suas idéias. No filme, há a
descoberta de que a vida é muito
mais complexa do que a cabeça dele. É importante entender esse
conjunto da sociedade, que é
maior que a cabeça do militante. E
tudo isso está nos personagens de
"O Tronco", que são tão complexos quanto a nossa sociedade.
Folha - Você considera seu filme
um épico. Quais as dificuldades
para filmar um épico brasileiro?
Andrade - Primeiro, o espírito
de preservação no Brasil é muito
ruim. Andei uns 30 mil quilômetros pelo Brasil Central, procurando uma cidadezinha que parecesse
com uma cidade do começo do século para poder filmar. As cidades
pequenas estão detonadas. Há
muitos turistas, que acabam com
tudo. Outra dificuldade é com pessoal especializado. Por exemplo,
você precisa de gente que saiba
não só andar à cavalo, mas também cair e pular de um cavalo. Nós
tivemos que dar treinamento aos
figurantes para esse tipo de coisa.
Folha - Você também nunca tinha feito algo que envolvesse uma
estrutura tão grande.
Andrade - É. O filme tinha mais
de 3.000 figurantes. Nas cenas de
batalha, tínhamos mais de 300 armas em cena, entre fuzis e carabinas. Ninguém estava acostumado
com isso. Nós tivemos que ir levando o filme na marra, aprendendo rapidamente a lidar com os
problemas que apareciam.
Folha - Uma solução para esses
problemas foi a construção da vila
cenográfica?
Andrade - Sim. Ela foi a grande
sacada do filme. É o que chamo de
grande cenário "vivo", porque
não é só fachada. Foi feita para
usar os interiores e os exteriores.
Filmamos dentro e fora das casas.
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