São Paulo, terça, 28 de julho de 1998

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CINEMA
Andrade constrói épico do Brasil Central

Divulgação
Cidade cenográfica próxima a Pirenópolis (TO), onde foi rodado "O Tronco", filme de João Batistas de Andrade, baseado em livro de Bernardo Élis


LEONARDO CRUZ
da Redação

"Este livro é dedicado aos humildes vaqueiros, jagunços, soldados, homens, mulheres e meninos sertanejos mortos nas lutas dos coronéis e que não tiveram sequer uma sepultura." Bernardo Élis, na dedicatória do romance "O Tronco"

Entre 1917 e 1918, em Vila do Duro, cidadezinha do Norte de Goiás (atual Tocantins), a disputa pelo poder político entre coronéis latifundiários da região e do sul do Estado provocou uma guerra entre tropas governistas e um exército de jagunços, com um saldo de centenas de mortes para ambos os lados. Baseado nesses fatos, que chegaram aos seus ouvidos ainda na infância, o goiano Bernardo Élis escreveu o romance "O Tronco", um livro-denúncia sobre a evolução social de seu Estado no começo do século.
Há cerca de um mês, depois de nove semanas de filmagens, o diretor João Batista de Andrade acabou de rodar, em uma cidade cenográfica localizada próximo a Pirenópolis (TO), a versão cinematográfica da obra de Bernardo Élis. "É um épico!", grita Andrade, definindo seu 11º longa, cujo orçamento bateu na casa dos R$ 3 milhões, o maior entre seus filmes.
Na história adaptada pelo cineasta mineiro, o estopim para a crise é a presença de Vicente Lemos (Angelo Antonio) coletor de impostos que segue, a mando do governo, para fiscalizar o Norte de Goiás. Mesmo sendo parente do principal coronel da região, Pedro Melo (Rolando Boldrin), ele pretende cumprir a lei, arrecadando tributos de todos, sem distinção.
A tentativa, frustrada, aliada a outros incidentes ocorridos entre Vicente e a família Melo, atrai para a região uma tropa de 300 soldados governistas comandada pelo juíz Carvalho (Antonio Fagundes) e pelo capitão Seixo de Brito (Chico Diaz), armando o confronto.
Para Andrade, "O Tronco' permite entender um pouco a história daquela região do Brasil, do começo da República, da questão da terra e da estrutura social".
Atualmente, o filme está em fase de montagem e deve chegar aos cinemas brasileiros em março de 99. Leia a seguir trechos da entrevista de João Batista de Andrade à Folha, feita por telefone, de sua casa, em Barra do Garça (MT).

Folha - Quando surgiu a idéia de adaptar "O Tronco" para o cinema?
João Batista de Andrade -
Em 1968, antes mesmo de fazer meu primeiro filme, fui a Goiânia e acertei a aquisição dos direitos com o próprio Bernardo Élis. Mas sabia que não iria conseguir filmá-lo tão cedo, não do jeito que eu queria. Só voltei a mexer no projeto em 97, com o surgimento das leis de incentivo fiscal, quando consegui captar a verba necessária.
Folha - Bernardo Élis foi um escritor ligado à esquerda brasileira. Você se diz um cineasta de esquerda. Você considera sua adaptação de "O Tronco" um "filme de esquerda"? É possível fazer "filmes de esquerda" no cinema atual?
Andrade -
Voltei ao cinema com "O Cego Que Gritava Luz". Dele, duas coisas são certas: continuei de esquerda e fiz um filme sobre a derrota. Com a consciência de quem tinha perdido as utopias e cujos ideais haviam caído.
Hoje, acredito que ser de esquerda não é ficar fazendo pregação. É tentar entender o que acontece com os ideais quando eles têm um embate com a sociedade. Em "O Tronco", isso está muito forte na figura do Vicente. É uma pessoa que vê suas idéias entrarem em conflito com os problemas da sociedade, que passam por cima e arrebentam com tudo. Conflitos sociais são mais fortes do que qualquer utopia da esquerda.
Folha - Então, se "O Cego Que Gritava Luz" representava a derrota, o que "O Tronco" representa?
Andrade -
Para mim, é uma redescoberta. O filme não é o Vicente, que é o personagem que, como eu, como o Bernardo, achava que podia transformar a sociedade só com suas idéias. No filme, há a descoberta de que a vida é muito mais complexa do que a cabeça dele. É importante entender esse conjunto da sociedade, que é maior que a cabeça do militante. E tudo isso está nos personagens de "O Tronco", que são tão complexos quanto a nossa sociedade.
Folha - Você considera seu filme um épico. Quais as dificuldades para filmar um épico brasileiro?
Andrade -
Primeiro, o espírito de preservação no Brasil é muito ruim. Andei uns 30 mil quilômetros pelo Brasil Central, procurando uma cidadezinha que parecesse com uma cidade do começo do século para poder filmar. As cidades pequenas estão detonadas. Há muitos turistas, que acabam com tudo. Outra dificuldade é com pessoal especializado. Por exemplo, você precisa de gente que saiba não só andar à cavalo, mas também cair e pular de um cavalo. Nós tivemos que dar treinamento aos figurantes para esse tipo de coisa.
Folha - Você também nunca tinha feito algo que envolvesse uma estrutura tão grande.
Andrade -
É. O filme tinha mais de 3.000 figurantes. Nas cenas de batalha, tínhamos mais de 300 armas em cena, entre fuzis e carabinas. Ninguém estava acostumado com isso. Nós tivemos que ir levando o filme na marra, aprendendo rapidamente a lidar com os problemas que apareciam.
Folha - Uma solução para esses problemas foi a construção da vila cenográfica?
Andrade -
Sim. Ela foi a grande sacada do filme. É o que chamo de grande cenário "vivo", porque não é só fachada. Foi feita para usar os interiores e os exteriores. Filmamos dentro e fora das casas.



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