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TELEVISÃO
Projeto de fomento à produção de documentários brasileiros começa hoje; até 2006, serão exibidos 35 filmes inéditos
"DocTV II" abre espaço para experiências
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
O telespectador acostumado
com os tiros de Charles Bronson
no melancólico fim de domingo
corre o risco de cair do sofá. O
choque causado por uma série como "DocTV II", que começa hoje
em todas as redes públicas do país
(na TV aberta em SP, pela TV
Cultura), é quase térmico.
Afinal, grande parte dos 35 filmes que serão exibidos nessa faixa não está preocupada com os
padrões de velocidade e didatismo consagrados por tudo que tradicionalmente povoa (e às vezes
polui) a TV. São documentários
que buscam uma linguagem experimental, daquelas de cinema
de poesia (longos planos, silêncios etc.). O que resulta em um caráter tão político quanto a essência de sua criação: um programa
de fomento à produção e teledifusão do documentário brasileiro,
desenvolvido pela Secretaria do
Audiovisual do Ministério da Cultura, TV Cultura e a Abepec (Associação Brasileira das Emissoras
Públicas, Educativas e Culturais).
Até 7/5/2006, a série exibe, às
23h dos domingos, documentários de 55 minutos cada um, que
representam os 26 Estados mais o
DF. Os filmes, inéditos, foram selecionados entre 810 inscritos; cada escolhido recebeu R$ 100 mil.
Além do aumento no número
de filmes e Estados contemplados
em relação à primeira edição do
projeto, exibida no ano passado,
essa segunda etapa buscou novos
caminhos. Para isso, foram organizados debates e oficinas com os
contemplados, que contaram
com a participação de nomes
mais conhecidos, como Eduardo
Coutinho, Joel Pizzini, Jorge Bodanzky, Maurice Capovilla e Geraldo Sarno. "A questão não é
apenas possibilitar a criação de
um filme e garantir a sua exibição
na televisão", diz o coordenador
do núcleo de documentários da
TV Cultura, Beto Tibiriçá. "Quisemos buscar um aprimoramento da linguagem e da estética dessas produções." Quem torce o nariz (ou troca de canal) toda a vez
que ouve falar em filmes com temáticas regionais terá boas surpresas no "DocTV II".
Caso exemplar da depuração
proposta é "As Vilas Volantes - O
Verbo contra o Vento" (CE), de
Alexandre Veras, 36. Filmado na
vila Tatajuba, registra a reconstrução, por meio da oralidade, de
regiões destruídas ou encobertas
pela ação das dunas e marés. O diretor dá voz a habitantes/sobreviventes que descrevem uma cidade
que não é mais possível ser vista,
em uma relação cara à própria ilusão cinematográfica de reconstrução do real, entre longos planos silenciosos da região. "Acho
uma chatice o clichê nordestino",
diz Veras, que se diz muito mais
influenciado pelo cineasta iraniano Abbas Kiarostami e pelo russo
Andrei Tarkóvski do que por
qualquer coisa da televisão. "A
preservação do tempo na TV é
quase questão política. É praticamente uma preservação ecológica", diz em tom de brincadeira.
Mesmo espírito incorpora "Passagem" (RS), de Jaime Lerner
(não o político), 45, que abre hoje
a programação. Gravado na rodoviária de Porto Alegre, é uma observação sobre os personagens
que por lá transitam. Lerner, no
entanto, não conta "historinhas":
"Esses filmes são olhares diferentes, que já povoam os documentários do cinema brasileiro há algum tempo. O bom de levar essas
propostas para a TV é que elas podem mexer a cabeça de quem raramente vai ao cinema".
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