São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TELEVISÃO

Projeto de fomento à produção de documentários brasileiros começa hoje; até 2006, serão exibidos 35 filmes inéditos

"DocTV II" abre espaço para experiências

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O telespectador acostumado com os tiros de Charles Bronson no melancólico fim de domingo corre o risco de cair do sofá. O choque causado por uma série como "DocTV II", que começa hoje em todas as redes públicas do país (na TV aberta em SP, pela TV Cultura), é quase térmico.
Afinal, grande parte dos 35 filmes que serão exibidos nessa faixa não está preocupada com os padrões de velocidade e didatismo consagrados por tudo que tradicionalmente povoa (e às vezes polui) a TV. São documentários que buscam uma linguagem experimental, daquelas de cinema de poesia (longos planos, silêncios etc.). O que resulta em um caráter tão político quanto a essência de sua criação: um programa de fomento à produção e teledifusão do documentário brasileiro, desenvolvido pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, TV Cultura e a Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais).
Até 7/5/2006, a série exibe, às 23h dos domingos, documentários de 55 minutos cada um, que representam os 26 Estados mais o DF. Os filmes, inéditos, foram selecionados entre 810 inscritos; cada escolhido recebeu R$ 100 mil.
Além do aumento no número de filmes e Estados contemplados em relação à primeira edição do projeto, exibida no ano passado, essa segunda etapa buscou novos caminhos. Para isso, foram organizados debates e oficinas com os contemplados, que contaram com a participação de nomes mais conhecidos, como Eduardo Coutinho, Joel Pizzini, Jorge Bodanzky, Maurice Capovilla e Geraldo Sarno. "A questão não é apenas possibilitar a criação de um filme e garantir a sua exibição na televisão", diz o coordenador do núcleo de documentários da TV Cultura, Beto Tibiriçá. "Quisemos buscar um aprimoramento da linguagem e da estética dessas produções." Quem torce o nariz (ou troca de canal) toda a vez que ouve falar em filmes com temáticas regionais terá boas surpresas no "DocTV II".
Caso exemplar da depuração proposta é "As Vilas Volantes - O Verbo contra o Vento" (CE), de Alexandre Veras, 36. Filmado na vila Tatajuba, registra a reconstrução, por meio da oralidade, de regiões destruídas ou encobertas pela ação das dunas e marés. O diretor dá voz a habitantes/sobreviventes que descrevem uma cidade que não é mais possível ser vista, em uma relação cara à própria ilusão cinematográfica de reconstrução do real, entre longos planos silenciosos da região. "Acho uma chatice o clichê nordestino", diz Veras, que se diz muito mais influenciado pelo cineasta iraniano Abbas Kiarostami e pelo russo Andrei Tarkóvski do que por qualquer coisa da televisão. "A preservação do tempo na TV é quase questão política. É praticamente uma preservação ecológica", diz em tom de brincadeira.
Mesmo espírito incorpora "Passagem" (RS), de Jaime Lerner (não o político), 45, que abre hoje a programação. Gravado na rodoviária de Porto Alegre, é uma observação sobre os personagens que por lá transitam. Lerner, no entanto, não conta "historinhas": "Esses filmes são olhares diferentes, que já povoam os documentários do cinema brasileiro há algum tempo. O bom de levar essas propostas para a TV é que elas podem mexer a cabeça de quem raramente vai ao cinema".


Texto Anterior: "Crime e Paixão": Aldrich faz da crise a força de seu filme
Próximo Texto: Cinema: Hollywood discute diminuição de renda e bilheteria
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.