São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2010 |
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CRÍTICA HISTÓRIA "A Ira de Deus" narra terremoto histórico que abateu Lisboa
Trabalho do historiador inglês Edward Paice mostra os efeitos da catástrofe de 1755 na filosofia e na religião
MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA Não se sabe direito quantas pessoas morreram no terremoto de Lisboa de 1755. Fala-se em 60 mil vítimas. Menos, portanto, que os 830 mil mortos calculados na China em 1556 ou os mais de 200 mil no Haiti, em janeiro de 2010. Foi mesmo assim a maior tragédia do gênero na história da Europa ocidental. O tremor agitou as águas do lago Ness, na Escócia; fez com que jorrasse lama numa estação hidromineral perto de Praga. O tsunami que o sucedeu haveria de refluir sobre o Caribe. Abalou também o terreno de muitas certezas religiosas e filosóficas. Como acreditar num castigo divino, se igrejas desabaram sobre os fiéis? Se, como diziam alguns protestantes ingleses, tratava-se de uma punição aos "papistas", ficava difícil explicar os tremores verificados, semanas depois, em cidades da Holanda, e até em Boston, nos Estados Unidos. Tanto quanto a noção de um Deus terrível, a ideia de uma Providência benfazeja teve dificuldades para sobreviver. Voltaire escreveu um poema questionando Pope (1688-1744), para quem "tudo está certo como é", e Leibniz (1646-1716), para quem este mundo "é o melhor de todos os possíveis". FANATISMO Voltaire retomaria o assunto em "Cândido, ou o Otimismo". Ao terremoto, sua novela acrescenta os males do fanatismo religioso: mostra a Inquisição promovendo autos da fé para aplacar a "ira de Deus". Este é o título que o historiador Edward Paice utiliza na sua viva descrição do terremoto. O livro mostra, aliás, suplícios e execuções que não foram promovidos pela Igreja, mas sim por seu adversário iluminista, o marquês de Pombal. Detentor de poderes absolutos, diante da luxuosa ociosidade de D. João 5, Pombal não foi apenas o grande empreendedor da reconstrução de Lisboa. Organizou um inquérito sobre os efeitos do terremoto, no primeiro esforço de criação da sismologia moderna. Aproveitou os escritos de um jesuíta, que via nos pecados dos lisboetas a causa do terremoto, para expulsar do país os representantes daquela ordem religiosa. O menos explicável no livro é o destaque que Edward Paice dá às desventuras, modestas, da comunidade inglesa na Lisboa de 1755. A narrativa segue o destino de alguns comerciantes britânicos. São figuras pálidas, que tendem a se perder na confusão da cidade arruinada e na mente do leitor. "A Ira de Deus" é um belo livro, mas que exigiria, como a Lisboa de Pombal, uma empreitada de reconstrução. A IRA DE DEUS AUTOR Edward Paice TRADUÇÃO Marcio Ferrari EDITORA Record QUANTO R$ 54,90 (336 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Livros eletrônicos reduzem estigmas da leitura solitária Próximo Texto: Cavalli chega a São Paulo com monólogo sobre medos do ator Índice |
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