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MÚSICA
"Hoje" é o primeiro disco dos Paralamas do Sucesso com músicas feitas após o acidente de fevereiro de 2001
Herbert Vianna faz CD ultraconfessional
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Renato Russo dizia a Herbert
Vianna que era espantosa a sem-cerimônia com que ele expunha a
sua vida nas músicas. Se já era assim antes do acidente de 4 de fevereiro de 2001, por que seria diferente agora?
O ultraconfessional "Hoje" é o
primeiro CD do Paralamas do Sucesso com composições feitas
após a queda do ultraleve que deixou Herbert sem movimentos nas
pernas e com problemas neurológicos -as músicas de "Longo Caminho", de 2002, foram compostas antes do acidente.
"São canções verdadeiras, de
um ponto de vista intenso daquele momento em que estavam sendo criadas. Não era "estou criando
uma canção", mas vômitos emocionais, autênticos", diz Herbert,
que enfrentou uma sessão de entrevistas, anteontem, para falar do
disco. Embora com dificuldade
para articular uma ou outra resposta, falou sobre tudo.
Para ele, uma prova de que as
músicas do Paralamas sempre foram "verdadeiras" foi dada há
pouco tempo por seu filho mais
velho, Luca, 13, enquanto ouvia
"Meu Erro". "Ele disse: "Pai, qual
foi esse teu erro de que você está
falando?". "Meu erro, meu filho,
foi crer que estar ao lado de alguma Mariazinha qualquer, que não
era a tua mãe, bastaria", conta.
Herbert assume que algumas letras de "Hoje" foram feitas para
Lucy Needham, mãe de seus três
filhos, morta no acidente de 2001.
São os casos nítidos da faixa-título
("Sonhei que tava além/ De tudo
que havia na terra e no céu") e de
"De Perto" ("Sonho em fazer pro
nosso amor/ Uma bela canção/
Que me traga paz sem culpa/ Ao
coração"), que foi composta em
2002 e é a primeira da safra.
"Eu me vejo pensando como
traduziria certas coisas para os
meus filhos: "Quero te ver de perto/ Quero dizer que o nosso amor
deu certo." Não é que nosso amor
tenha terminado em uma tragédia. Nosso amor foi muito bem vivido, com uma intensidade, uma
amplitude e a incorporação de
duas culturas", diz, referindo-se à
nacionalidade inglesa de Lucy.
Em "Ponto de Vista", Herbert
fala do fato de estar andando em
uma cadeira de rodas: "Você aí
em pé/ Você não deve saber/ Como é o mundo aos olhos de quem
sofre/ Ao se mover."
"Você tendo um outro plano,
meio metro mais baixo, passa a
perceber inúmeras coisas, barreiras intransponíveis, dificuldades,
formas de alegria e prazer. Todo
mundo reaprenderia, reprocessaria sua forma de pensar com algo
simples como baixar seu ponto de
vista meio metro", receita.
Na mesma música, canta: "Não
desejo pra ninguém nada de
ruim". Frase de quem não quer
briga nem com o desafeto Lobão,
que o acusava de fazer "Me Liga"
a partir de "Me Chama".
"Fico relendo notas de imprensa, vejo alguns comentários superácidos do Lobão e penso: Que
merda! No fundo, eu admiro pra
caramba o trabalho dele e acho
que, se, em termos desarmados, a
gente celebrasse, tocasse alguma
coisa juntos... Às vezes viajo [sonho] e penso que, se eventualmente visse a cara dele perto de
um lugar que estivesse tocando,
eu puxaria "Cena de Cinema"."
Herbert deu entrevistas ladeado, é claro, por Bi Ribeiro e João
Barone, companheiros de Paralamas há 23 anos e com quem ele
diz ter uma "irmandade de sangue". Os dois preferem não pintar
com tintas de força desnecessária
a amizade que une os três, mas
não escondem o papel especial
que "Hoje" tem na banda.
"Esse é mais um primeiro álbum. A gente passou quase que
por um renascimento, por tudo o
que aconteceu com o Herbert. Estamos muito motivados. Acho
que é o disco de pegada mais forte
que a gente já fez", diz Barone.
A motivação fica clara na exaltação de Herbert aos shows -diz
que poderia fazer até dois por dia.
Um prazer de cantar e tocar que o
autor de "Luiz Inácio (300 Picaretas)" não perde nem em razão da
crise do país: "Qualquer nome entrando em uma estrutura de poder tão viciada e corrompida como a do Brasil dificilmente sairia
coroado", diz ele sobre Lula. "Ter
sido eleito um cara tão da base da
estrutura social brasileira por si só
já tem um encanto que faz projetar um futuro próximo de mais
abertura, mais verdade, mais honestidade."
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