São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 2005

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MÚSICA

"Hoje" é o primeiro disco dos Paralamas do Sucesso com músicas feitas após o acidente de fevereiro de 2001

Herbert Vianna faz CD ultraconfessional

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Renato Russo dizia a Herbert Vianna que era espantosa a sem-cerimônia com que ele expunha a sua vida nas músicas. Se já era assim antes do acidente de 4 de fevereiro de 2001, por que seria diferente agora?
O ultraconfessional "Hoje" é o primeiro CD do Paralamas do Sucesso com composições feitas após a queda do ultraleve que deixou Herbert sem movimentos nas pernas e com problemas neurológicos -as músicas de "Longo Caminho", de 2002, foram compostas antes do acidente.
"São canções verdadeiras, de um ponto de vista intenso daquele momento em que estavam sendo criadas. Não era "estou criando uma canção", mas vômitos emocionais, autênticos", diz Herbert, que enfrentou uma sessão de entrevistas, anteontem, para falar do disco. Embora com dificuldade para articular uma ou outra resposta, falou sobre tudo.
Para ele, uma prova de que as músicas do Paralamas sempre foram "verdadeiras" foi dada há pouco tempo por seu filho mais velho, Luca, 13, enquanto ouvia "Meu Erro". "Ele disse: "Pai, qual foi esse teu erro de que você está falando?". "Meu erro, meu filho, foi crer que estar ao lado de alguma Mariazinha qualquer, que não era a tua mãe, bastaria", conta.
Herbert assume que algumas letras de "Hoje" foram feitas para Lucy Needham, mãe de seus três filhos, morta no acidente de 2001. São os casos nítidos da faixa-título ("Sonhei que tava além/ De tudo que havia na terra e no céu") e de "De Perto" ("Sonho em fazer pro nosso amor/ Uma bela canção/ Que me traga paz sem culpa/ Ao coração"), que foi composta em 2002 e é a primeira da safra.
"Eu me vejo pensando como traduziria certas coisas para os meus filhos: "Quero te ver de perto/ Quero dizer que o nosso amor deu certo." Não é que nosso amor tenha terminado em uma tragédia. Nosso amor foi muito bem vivido, com uma intensidade, uma amplitude e a incorporação de duas culturas", diz, referindo-se à nacionalidade inglesa de Lucy.
Em "Ponto de Vista", Herbert fala do fato de estar andando em uma cadeira de rodas: "Você aí em pé/ Você não deve saber/ Como é o mundo aos olhos de quem sofre/ Ao se mover."
"Você tendo um outro plano, meio metro mais baixo, passa a perceber inúmeras coisas, barreiras intransponíveis, dificuldades, formas de alegria e prazer. Todo mundo reaprenderia, reprocessaria sua forma de pensar com algo simples como baixar seu ponto de vista meio metro", receita.
Na mesma música, canta: "Não desejo pra ninguém nada de ruim". Frase de quem não quer briga nem com o desafeto Lobão, que o acusava de fazer "Me Liga" a partir de "Me Chama".
"Fico relendo notas de imprensa, vejo alguns comentários superácidos do Lobão e penso: Que merda! No fundo, eu admiro pra caramba o trabalho dele e acho que, se, em termos desarmados, a gente celebrasse, tocasse alguma coisa juntos... Às vezes viajo [sonho] e penso que, se eventualmente visse a cara dele perto de um lugar que estivesse tocando, eu puxaria "Cena de Cinema"."
Herbert deu entrevistas ladeado, é claro, por Bi Ribeiro e João Barone, companheiros de Paralamas há 23 anos e com quem ele diz ter uma "irmandade de sangue". Os dois preferem não pintar com tintas de força desnecessária a amizade que une os três, mas não escondem o papel especial que "Hoje" tem na banda.
"Esse é mais um primeiro álbum. A gente passou quase que por um renascimento, por tudo o que aconteceu com o Herbert. Estamos muito motivados. Acho que é o disco de pegada mais forte que a gente já fez", diz Barone.
A motivação fica clara na exaltação de Herbert aos shows -diz que poderia fazer até dois por dia. Um prazer de cantar e tocar que o autor de "Luiz Inácio (300 Picaretas)" não perde nem em razão da crise do país: "Qualquer nome entrando em uma estrutura de poder tão viciada e corrompida como a do Brasil dificilmente sairia coroado", diz ele sobre Lula. "Ter sido eleito um cara tão da base da estrutura social brasileira por si só já tem um encanto que faz projetar um futuro próximo de mais abertura, mais verdade, mais honestidade."


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