São Paulo, segunda-feira, 28 de setembro de 2009

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Argentina prepara lei de incentivo à cultura

Politização do setor é inevitável, diz Jorge Coscia, titular argentino da pasta

Secretário, que vem a São Paulo para congresso, afirma faltar a seu país "senso de pertencimento e identificação nacional"


SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

Foi uma derrota eleitoral que levou o cineasta Jorge Coscia, 57, ao cargo de secretário de Cultura da Nação na Argentina -posto equivalente ao de ministro da Cultura no Brasil. Ele assumiu em julho, quando a presidente, Cristina Kirchner, reformou seu gabinete, após revés nas eleições legislativas. "Assumo na metade da gestão. As prioridades devem ser realistas, mas ambiciosas", diz ele, que pretende impulsionar uma lei federal de incentivo à cultura, como a Rouanet.
Nesta quarta, Coscia vai a São Paulo para o 2º Congresso de Cultura Ibero-Americana, cujo tema é "Cultura e Transformação Social", um binômio que ele quer associar à sua gestão. Nesta entrevista, feita em seu gabinete, em Buenos Aires, o secretário fala da proposta de "politizar a cultura" e analisa a polêmica em torno do projeto de lei de Cristina Kirchner sobre a comunicação audiovisual.

 

FOLHA - O sr. propôs "politizar a cultura" no discurso de posse. Qual o sentido dessa expressão?
JORGE COSCIA
- Proponho que a política se encha de cultura, que ela tenha seu lugar na agenda, mas que também assumamos que a cultura está politizada. Até numa pintura abstrata há formulação política. Sou parte de uma gestão política. Venho aqui para uma missão carregada de sentido político. Hoje, há um discurso despolitizador, que tenta dizer que a política é ruim. Mas só a política melhora a má política.

FOLHA - Quais são as prioridades de sua gestão?
COSCIA
- Aprofundar e acelerar o processo de federalização da cultura, com um fundo federal. Trabalhamos também para fortalecer as políticas solidárias -políticas sociais em que a cultura entra com a capacidade de inclusão. Buscamos a recuperação patrimonial e queremos criar uma lei federal de cultura e um canal de TV cultural.

FOLHA - Como avalia a lei brasileira de incentivo federal à cultura, a chamada Lei Rouanet?
COSCIA
- O modelo brasileiro é muito interessante. Nossos países devem ser imaginativos em matéria de políticas culturais, têm de ter leis compensatórias. Estamos buscando os pontos centrais para a nossa lei. Deve haver um marco que fixe a importância das políticas culturais, que trate a cultura como um direito humano essencial.

FOLHA - O sr. concorda com a presidente Cristina Kirchner quando ela diz que o projeto de Lei de Serviços Audiovisuais põe à prova a democracia na Argentina?
COSCIA
- Sim. Nesta discussão, está em jogo a viabilidade da democracia na Argentina. Aqui, 90% da [produção de] imagem está nas mãos de cinco empresas. Isso não é bom para a democracia. Nós acreditamos que os meios de comunicação têm toda a liberdade [...], mas o Estado e a sociedade têm a responsabilidade de gerar equilíbrios diferentes. O único modo de fazê-lo é ampliando o acesso aos meios de comunicação.

FOLHA - Aos brasileiros espanta que os argentinos tenham uma formação e uma produção cultural tão sólidas, apesar das crises econômicas. Como o sr. explica o paradoxo?
COSCIA
- Não há relação direta entre capacidade de produção cultural e êxito econômico. Temos um formidável capital cultural, subsidiário de uma também formidável tradição educativa. O que talvez tenha faltado à Argentina é que a criatividade cultural possuísse um senso maior de pertencimento e identificação nacional.

FOLHA - É viável uma integração cultural entre Brasil e Argentina?
COSCIA
- Nós, os latino-americanos, somos uma unidade cultural desintegrada. A cultura nos une; o que nos separou foi a história, a política, os interesses das oligarquias egoístas. Se semeássemos a integração pela perspectiva cultural, o terreno seria fértil.


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