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Argentina prepara lei de incentivo à cultura
Politização do setor é inevitável, diz Jorge Coscia, titular argentino da pasta
Secretário, que vem a
São Paulo para congresso, afirma faltar a seu país "senso de pertencimento
e identificação nacional"
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
Foi uma derrota eleitoral que
levou o cineasta Jorge Coscia,
57, ao cargo de secretário de
Cultura da Nação na Argentina
-posto equivalente ao de ministro da Cultura no Brasil.
Ele assumiu em julho, quando a presidente, Cristina Kirchner, reformou seu gabinete,
após revés nas eleições legislativas. "Assumo na metade da
gestão. As prioridades devem
ser realistas, mas ambiciosas",
diz ele, que pretende impulsionar uma lei federal de incentivo
à cultura, como a Rouanet.
Nesta quarta, Coscia vai a São
Paulo para o 2º Congresso de
Cultura Ibero-Americana, cujo
tema é "Cultura e Transformação Social", um binômio que ele
quer associar à sua gestão.
Nesta entrevista, feita em seu
gabinete, em Buenos Aires, o
secretário fala da proposta de
"politizar a cultura" e analisa a
polêmica em torno do projeto
de lei de Cristina Kirchner sobre a comunicação audiovisual.
FOLHA - O sr. propôs "politizar a
cultura" no discurso de posse. Qual
o sentido dessa expressão?
JORGE COSCIA - Proponho que a
política se encha de cultura,
que ela tenha seu lugar na agenda, mas que também assumamos que a cultura está politizada. Até numa pintura abstrata
há formulação política.
Sou parte de uma gestão política. Venho aqui para uma missão carregada de sentido político. Hoje, há um discurso despolitizador, que tenta dizer que a
política é ruim. Mas só a política melhora a má política.
FOLHA - Quais são as prioridades
de sua gestão?
COSCIA - Aprofundar e acelerar
o processo de federalização da
cultura, com um fundo federal.
Trabalhamos também para fortalecer as políticas solidárias
-políticas sociais em que a cultura entra com a capacidade de
inclusão. Buscamos a recuperação patrimonial e queremos
criar uma lei federal de cultura
e um canal de TV cultural.
FOLHA - Como avalia a lei brasileira
de incentivo federal à cultura, a chamada Lei Rouanet?
COSCIA - O modelo brasileiro é
muito interessante. Nossos
países devem ser imaginativos
em matéria de políticas culturais, têm de ter leis compensatórias. Estamos buscando os
pontos centrais para a nossa lei.
Deve haver um marco que fixe a
importância das políticas culturais, que trate a cultura como
um direito humano essencial.
FOLHA - O sr. concorda com a presidente Cristina Kirchner quando ela
diz que o projeto de Lei de Serviços
Audiovisuais põe à prova a democracia na Argentina?
COSCIA - Sim. Nesta discussão,
está em jogo a viabilidade da
democracia na Argentina. Aqui,
90% da [produção de] imagem
está nas mãos de cinco empresas. Isso não é bom para a democracia. Nós acreditamos que
os meios de comunicação têm
toda a liberdade [...], mas o Estado e a sociedade têm a responsabilidade de gerar equilíbrios diferentes. O único modo
de fazê-lo é ampliando o acesso
aos meios de comunicação.
FOLHA - Aos brasileiros espanta
que os argentinos tenham uma formação e uma produção cultural tão
sólidas, apesar das crises econômicas. Como o sr. explica o paradoxo?
COSCIA - Não há relação direta
entre capacidade de produção
cultural e êxito econômico. Temos um formidável capital cultural, subsidiário de uma também formidável tradição educativa. O que talvez tenha faltado à Argentina é que a criatividade cultural possuísse um
senso maior de pertencimento
e identificação nacional.
FOLHA - É viável uma integração
cultural entre Brasil e Argentina?
COSCIA - Nós, os latino-americanos, somos uma unidade cultural desintegrada. A cultura
nos une; o que nos separou foi a
história, a política, os interesses das oligarquias egoístas. Se
semeássemos a integração pela
perspectiva cultural, o terreno
seria fértil.
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