São Paulo, segunda-feira, 28 de setembro de 2009

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"Faço cinema com o acaso", diz Agnès Varda

Aos 81, cineasta belga afirma que não fará filmes depois de "As Praias de Agnès", que é exibido hoje no Festival do Rio

Ela costura a própria história e sonhos em documentário, que aborda também o marido, o cineasta Jacques Demy, morto em 1990


AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO

Agnès Varda não sabe bem o que é o amor, embora já tenha tentado defini-lo em alguns de seus filmes. Aos 81, o que ela sabe com precisão é como o marido, o cineasta Jacques Demy (1931-1990), um dos ícones da nouvelle vague, segurava sua mão quando iam ao cinema.
"Sei que amei muito ir ao cinema segurando a mão de Jacques. Não era desejo, era só ir ao cinema segurando a mão." Se há 40 anos ela tinha as mãos de Demy em sua primeira visita ao Brasil, agora volta sozinha para lançar seu último documentário, "As Praias de Agnès", que, conta, encerra sua carreira como cineasta. "Vou me dedicar à vida de artista plástica", diz em entrevista à Folha, no hotel onde está hospedada, na zona sul carioca.
Varda tem "o acaso como assistente". Costura a própria história e os sonhos nas praias de sua vida: "Se abrissem as pessoas, encontrariam paisagem. Se me abrissem, encontrariam praias". No filme, que será exibido no Festival do Rio, a diretora de "Cléo das 5 às 7" filma surfistas que surgem na praia inesperadamente, leva trapezistas, espelhos e fotos de família à areia. "Não tenho nostalgia da infância", afirma.
"Envelhecer é ter mais e mais anos e, agora, tenho 81. Então, sou velha. E acho que gosto de ser velha", diz, sorridente, com metade dos cabelos brancos e a outra metade pintada de vermelho. "Ser velha é ter um pouco de leveza e uma mala nas costas, sabe?
E a mala está cheia de coisas pesadas, de aflições, de faltas, de ausências e de mortes, porque, quando se está velho, há muitos mortos antes de você. Eles estão com você, mas estão nas suas costas, às vezes um pouco pesados, às vezes como espíritos."

Cinema afetivo
Em "As Praias de Agnès", ela joga rosas e begônias para seus mortos, como o ator e diretor Jean Villar, o artista plástico Alexander Calder. O marido, é claro, é a morte mais doída.
"Não há uma lágrima, não há uma rosa, não há uma begônia, que eu não jogue para Demy." Os dois se conheceram nos anos 50, quando Varda foi a cineasta mulher da nouvelle vague. Antes de perder o grande amor, ela filmou sua pele, seu cabelo, seus olhos, como se tocasse seu corpo com a câmera.
"Tivemos dificuldades, como todos os casais, e, quando estávamos bem, juntos de volta, dizíamos: "Que belo projeto, que bom programa: vamos envelhecer juntos". Infelizmente, não foi assim. Costumo pensar: tento viver em paz minha velhice, porque tinha esse projeto." Demy ocupa muitos "cômodos" do novo filme, que Varda define como uma casa. "Uma casa com muitas portas, em que se pode entrar, entrar de novo, mas não pela mesma porta.
É o acaso que faz com que eu proponha, que o filme não seja uma verdade, que seja uma proposta que você aceita ou não", diz referindo-se à "afetividade", e não ao "público pagante". Seus filmes, como "Les Glaneurs et la Glaneuse" (2000), não têm grandes bilheterias.
"As pessoas precisam de poesia, de ler, de pinturas e de cinema sensível, um pouco alternativo, talvez. Por isso não tenho tanto público", justifica, para em seguida completar: "Faço cinema dizendo: "Vou amá-los, mas me amem". É normal, todos querem ser amados".


AS PRAIAS DE AGNÈS

Direção: Agnès Varda
Quando: hoje, às 16h
Onde: Festival do Rio, Estação Barra Point 1 (av. Armando Lombardi, 350, Barra da Tijuca, Rio)
Classificação: 10 anos




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