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"Faço cinema com o acaso", diz Agnès Varda
Aos 81, cineasta belga afirma que não fará filmes depois de
"As Praias de Agnès", que é exibido hoje no Festival do Rio
Ela costura a própria história e sonhos em documentário, que aborda também o marido, o cineasta Jacques Demy, morto em 1990
AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO
Agnès Varda não sabe bem o
que é o amor, embora já tenha
tentado defini-lo em alguns de
seus filmes. Aos 81, o que ela sabe com precisão é como o marido, o cineasta Jacques Demy
(1931-1990), um dos ícones da
nouvelle vague, segurava sua
mão quando iam ao cinema.
"Sei que amei muito ir ao cinema segurando a mão de Jacques. Não era desejo, era só ir
ao cinema segurando a mão."
Se há 40 anos ela tinha as
mãos de Demy em sua primeira
visita ao Brasil, agora volta sozinha para lançar seu último
documentário, "As Praias de
Agnès", que, conta, encerra sua
carreira como cineasta. "Vou
me dedicar à vida de artista
plástica", diz em entrevista à
Folha, no hotel onde está hospedada, na zona sul carioca.
Varda tem "o acaso como assistente". Costura a própria
história e os sonhos nas praias
de sua vida: "Se abrissem as
pessoas, encontrariam paisagem. Se me abrissem, encontrariam praias". No filme, que
será exibido no Festival do Rio,
a diretora de "Cléo das 5 às 7"
filma surfistas que surgem na
praia inesperadamente, leva
trapezistas, espelhos e fotos de
família à areia. "Não tenho nostalgia da infância", afirma.
"Envelhecer é ter mais e mais
anos e, agora, tenho 81. Então,
sou velha. E acho que gosto de
ser velha", diz, sorridente, com
metade dos cabelos brancos e a
outra metade pintada de vermelho. "Ser velha é ter um pouco de leveza e uma mala nas
costas, sabe?
E a mala está
cheia de coisas pesadas, de aflições, de faltas, de ausências e de
mortes, porque, quando se está
velho, há muitos mortos antes
de você. Eles estão com você,
mas estão nas suas costas, às
vezes um pouco pesados, às vezes como espíritos."
Cinema afetivo
Em "As Praias de Agnès", ela
joga rosas e begônias para seus
mortos, como o ator e diretor
Jean Villar, o artista plástico
Alexander Calder. O marido, é
claro, é a morte mais doída.
"Não há uma lágrima, não há
uma rosa, não há uma begônia,
que eu não jogue para Demy."
Os dois se conheceram nos
anos 50, quando Varda foi a cineasta mulher da nouvelle vague. Antes de perder o grande
amor, ela filmou sua pele, seu
cabelo, seus olhos, como se tocasse seu corpo com a câmera.
"Tivemos dificuldades, como
todos os casais, e, quando estávamos bem, juntos de volta, dizíamos: "Que belo projeto, que
bom programa: vamos envelhecer juntos". Infelizmente,
não foi assim. Costumo pensar:
tento viver em paz minha velhice, porque tinha esse projeto."
Demy ocupa muitos "cômodos" do novo filme, que Varda
define como uma casa. "Uma
casa com muitas portas, em que
se pode entrar, entrar de novo,
mas não pela mesma porta.
É o
acaso que faz com que eu proponha, que o filme não seja
uma verdade, que seja uma proposta que você aceita ou não",
diz referindo-se à "afetividade", e não ao "público pagante".
Seus filmes, como "Les Glaneurs et la Glaneuse" (2000),
não têm grandes bilheterias.
"As pessoas precisam de poesia, de ler, de pinturas e de cinema sensível, um pouco alternativo, talvez. Por isso não tenho
tanto público", justifica, para
em seguida completar: "Faço
cinema dizendo: "Vou amá-los,
mas me amem". É normal, todos querem ser amados".
AS PRAIAS DE AGNÈS
Direção: Agnès Varda
Quando: hoje, às 16h
Onde: Festival do Rio, Estação Barra
Point 1 (av. Armando Lombardi, 350,
Barra da Tijuca, Rio)
Classificação: 10 anos
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