São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Crítica/erudito

Osesp renova música de Tchaikovsky

Álbum registra gravação da primeira e pouco conhecida obra-prima do compositor nascido em 1840 em São Petersburgo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Pyotr Ilitch Tchaikovsky (1840-1893) carrega a fama de ser um dos compositores mais famosos da história da música. A fama da fama é verdadeira, mas será que se pode dizer o mesmo, hoje, da fama musical? Comparado a outros nomes, como Bach, Beethoven e Mozart, sua música ainda é bem menos conhecida.
Deixando de lado os balés "Quebra-Nozes" e "O Lago dos Cisnes" (de que só se escutam, habitualmente, poucos trechos), as "Sinfonias" nº 4, 5 e, especialmente, 6 ("Patética") e, em menor medida, o "Concerto para Violino", não dá para afirmar que a música do russo -mais de uma centena de peças- seja tão popular assim.
Faz sentido então que a Osesp se lance numa integral das sinfonias e outras peças de Tchaikovsky, regidas por John Neschling. O projeto põe a orquestra no pé da legítima igualdade com outros grandes conjuntos que já gravaram uma ou mais sinfonias do mestre de São Petersburgo. Também reforça a distinção do time paulista, que tem na escolha do repertório um de seus trunfos.
Tanto melhor que a "Sinfonia" nº 1 venha com a abertura "Romeu e Julieta". Primeira indisputada obra-prima de Tchaikovsky, estreada em 1870 (e revista dez anos depois), a abertura ganha uma interpretação de referência da Osesp, com as cordas rasgando corações no grande tema de amor (faixa 5, 8'02), depois da introdução cromaticamente intensa e do rock em alta velocidade na briga entre Montechios e Capuletos (5'49). "Romeu e Julieta" foi composta por sugestão do compositor Balakirev (1837-1910); e as tonalidades escolhidas por Tchaikovsky para a exposição, si menor e ré bemol maior, são uma espécie de homenagem a ele (que adorava dois sustenidos e cinco bemóis).
A abertura é um poema sinfônico, acenando também para Liszt (1811-1886) -muita harpa!- e, de modo mais expressivo ainda, Glinka (1804-1857), de quem vem a idéia dos acordes cromaticamente ligados, sustentados por uma nota longa (ver "Ruslan e Ludmilla").
A abertura integra os vários temas de modo mais coerente do que a "Sinfonia" nº 1, o que não chega a ser demérito para essa -embora represente o tipo de coisa que ainda faz de Tchaikovsky persona non grata para a análise musical. (Autores da importância de Charles Rosen e Carl Dahlhaus, por exemplo, mal se referem a ele.)
Mas quem não se entrega ao mendelssohniano "Scherzo" da sinfonia? O próprio título, "Sonhos de Inverno", reforçado no primeiro movimento, "Sonhos de um Dia de Inverno", espelha com luzes próprias o "Sonho de uma Noite de Verão" de Mendelssohn (1809-1847).

Leveza e volume
Regida por Neschling com um misto invernal de leveza e volume, dançando na neve, essa música cura qualquer letargia estival. A valsa (faixa 3, 3'01), depois, já é remédio e veneno de outra ordem: um sonho russo, delírio e delícia, fantasias do corpo em movimento.
E quem não admira o contraponto cromático -violinos descendo em semitons, baixos subindo- do episódio (faixa 4, 8'57) que conduz à explosão final do último "Allegro"?
Tchaikovsky ganha um inesperado aliado do outro lado do mundo, 140 anos depois da estréia da "Sinfonia". Tocado com tanto empenho, ele chega de novo a si; quer dizer, volta a ser o desconhecido que sua música nos faz conhecer de novo a cada vez, naquele ponto onde cada um de nós, também, volta a ser desconhecido, fora e dentro de si mesmo, na música.


TCHAIKOVSKY: SINFONIA Nº 1
Artista:
Osesp (regência de John Neschling)
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 29 (em média)
Avaliação: ótimo


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