|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/erudito
Osesp renova música de Tchaikovsky
Álbum registra gravação da primeira e pouco conhecida obra-prima do compositor nascido em 1840 em São Petersburgo
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Pyotr Ilitch Tchaikovsky
(1840-1893) carrega a
fama de ser um dos
compositores mais famosos
da história da música. A fama
da fama é verdadeira, mas será que se pode dizer o mesmo,
hoje, da fama musical? Comparado a outros nomes, como
Bach, Beethoven e Mozart,
sua música ainda é bem menos
conhecida.
Deixando de lado os balés
"Quebra-Nozes" e "O Lago dos
Cisnes" (de que só se escutam,
habitualmente, poucos trechos), as "Sinfonias" nº 4, 5 e,
especialmente, 6 ("Patética") e,
em menor medida, o "Concerto
para Violino", não dá para afirmar que a música do russo
-mais de uma centena de peças- seja tão popular assim.
Faz sentido então que a
Osesp se lance numa integral
das sinfonias e outras peças de
Tchaikovsky, regidas por John
Neschling. O projeto põe a orquestra no pé da legítima igualdade com outros grandes conjuntos que já gravaram uma ou mais sinfonias do mestre de
São Petersburgo. Também reforça a distinção do time paulista, que tem na escolha do repertório um de seus trunfos.
Tanto melhor que a "Sinfonia" nº 1 venha com a abertura
"Romeu e Julieta". Primeira indisputada obra-prima de
Tchaikovsky, estreada em 1870
(e revista dez anos depois), a
abertura ganha uma interpretação de referência da Osesp,
com as cordas rasgando corações no grande tema de amor
(faixa 5, 8'02), depois da introdução cromaticamente intensa
e do rock em alta velocidade na
briga entre Montechios e Capuletos (5'49).
"Romeu e Julieta" foi composta por sugestão do compositor Balakirev (1837-1910); e as
tonalidades escolhidas por
Tchaikovsky para a exposição,
si menor e ré bemol maior, são
uma espécie de homenagem a
ele (que adorava dois sustenidos e cinco bemóis).
A abertura é um poema sinfônico, acenando também para
Liszt (1811-1886) -muita harpa!- e, de modo mais expressivo ainda, Glinka (1804-1857),
de quem vem a idéia dos acordes cromaticamente ligados,
sustentados por uma nota longa (ver "Ruslan e Ludmilla").
A abertura integra os vários
temas de modo mais coerente
do que a "Sinfonia" nº 1, o que
não chega a ser demérito para
essa -embora represente o tipo de coisa que ainda faz de
Tchaikovsky persona non grata
para a análise musical. (Autores da importância de Charles
Rosen e Carl Dahlhaus, por
exemplo, mal se referem a ele.)
Mas quem não se entrega ao
mendelssohniano "Scherzo" da
sinfonia? O próprio título, "Sonhos de Inverno", reforçado no
primeiro movimento, "Sonhos
de um Dia de Inverno", espelha
com luzes próprias o "Sonho de
uma Noite de Verão" de Mendelssohn (1809-1847).
Leveza e volume
Regida por Neschling com
um misto invernal de leveza e
volume, dançando na neve, essa música cura qualquer letargia estival. A valsa (faixa 3,
3'01), depois, já é remédio e veneno de outra ordem: um sonho russo, delírio e delícia, fantasias do corpo em movimento.
E quem não admira o contraponto cromático -violinos
descendo em semitons, baixos
subindo- do episódio (faixa 4,
8'57) que conduz à explosão final do último "Allegro"?
Tchaikovsky ganha um inesperado aliado do outro lado do
mundo, 140 anos depois da estréia da "Sinfonia". Tocado
com tanto empenho, ele chega
de novo a si; quer dizer, volta a
ser o desconhecido que sua música nos faz conhecer de novo a
cada vez, naquele ponto onde
cada um de nós, também, volta
a ser desconhecido, fora e dentro de si mesmo, na música.
TCHAIKOVSKY: SINFONIA Nº 1
Artista: Osesp (regência de John
Neschling)
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 29 (em média)
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Zé Celso vê "tropicapitalismo" na celebração Próximo Texto: Chet Baker é tema da Coleção Folha do próximo domingo Índice
|