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São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003

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"ALBERGUE ESPANHOL"

Diálogos superficiais exemplificam a situação atual do cinema francês

CRÍTICO DA FOLHA

Na Idade Média espanhola, peregrinando pelo famoso "caminho de Compostela", os devotos de são Tiago encontravam descanso em albergues para onde levavam suas próprias provisões e animais. Vem daí, ao que parece, a expressão "albergue espanhol", figura de estilo que designa abrangência de tendências e alianças.
No caso do filme de Cédric Kaplisch, o albergue espanhol que lhe dá título é uma república de estudantes em Barcelona em que cada morador tem uma nacionalidade européia. Seguindo um programa de intercâmbio, decidido a se especializar em economia espanhola para assegurar um emprego, o protagonista francês, Xavier (Romain Duris), vai parar nessa babel eurocêntrica.
Kaplisch ("O Gato Sumiu") segue passo a passo, um tanto didaticamente, a aventura de seu protagonista no estrangeiro e se dedica de tal maneira à identidade que pretende criar entre este e o público juvenil que acaba por negligenciar o que seria o tema central de "Albergue Espanhol", o aprendizado da diferença. O diretor simplesmente se esquece de nos dar a conhecer os demais personagens da república. Tenta suplantar velhos estereótipos (do tipo: as inglesas são neuróticas, os alemães organizados), mas acaba neles recaindo, tal a superficialidade das conversas que se estabelecem em seu "albergue".
A presença de Judith Godrèche no elenco, ela que debutou tão falante no filme de Jacques Doillon, "A Moça de 15 Anos", fazendo agora o papel de uma mulher reprimida com quem Xavier tem um caso, nos lembra dos tempos em que as conversas, nos filmes franceses, aconteciam de fato. Tempos da última grande geração do cinema francês, a dos anos 70, geração de Jean Eustache, Philippe Garrel e Jacques Doillon, pós-nouvelle vague e pós-cinema-verdade, quando os franceses se dedicaram, mais livremente do que nunca, a filmar a fala.
A afetividade e a espontaneidade de um filme como "La Maman et la Putain" (Eustache, 1973) é um ideal que as gerações posteriores do cinema francês estiveram sempre longe de alcançar. A diferença da geração de Kaplisch para a de Eustache está um pouco na diferença entre Xavier e sua mãe hippie.
Filho careta, Xavier não suporta conversar com a mãe porque esta sempre fala a verdade. No estrangeiro, o jovem abre um pouco a cabeça, torna-se menos reprimido e menos conformista, ao menos na perspectiva, sempre um tanto limitada, quando não equivocada, de Kaplisch.
(TIAGO MATA MACHADO)


Albergue Espanhol
L'Auberge Espagnole
  
Direção: Cédric Klapisch
Produção: França/Espanha, 2003
Com: Romain Duris, Judith Godrèche, Audrey Tautou
Quando: a parir de hojes nos cines Espaço Unibanco, Frei Caneca Unibanco Arteplex e Sala UOL de Cinema



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