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DANÇA
Eva Yerbabuena apresenta flamenco renovado em "A Cuatro Voces"; misturas e contrastes são elementos marcantes
Dançarina expõe coração à procura de ecos
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
P erguntas sem respostas e
sentimentos contrastantes
organizam a cena flamenca de "A
Cuatro Voces", de Eva Yerbabuena, que estreou sexta passada no
Alfa. Em cena, oito músicos e 11
dançarinos tramam e destramam
questões essenciais da vida e
-com fatalístico acento espanhol- da morte. Melismas vocais, movimentos dos braços e do
tronco, batida dos pés no chão,
harmonias alteradas: tudo revela
sutilezas que se precisa aprender a
perceber, para além da força e vibração da dança.
Na primeira cena, ao som de
"Clair de Lune", de Debussy, Yerbabuena narra com seu próprio
corpo o drama de uma mulher
cujo marido foi morto. A conexão
dessa música com os textos cantados, depois -letras de Horatius
Garcia e música de Paco Jarana,
inspiradas na poesia de Miguel
Hernández, Vicente Aleixandre,
Garcia Lorca e Blas Otero- não
parece clara. Mas misturas e contrastes são um elemento marcante desse flamenco renovado de
Yerbabuena, que olha para trás e
para a frente ao mesmo tempo,
abarcando, por exemplo, a música de Debussy e o teatro de Robert
Wilson.
Durante toda a noite o palco é
riscado pela luz de Raul Perotti.
São retângulos, quadriculados e
círculos que contribuem muito
para a dramaturgia, com seu jogo
expressivo de luz e sombra.
Diversos ritmos do flamenco
pouco a pouco vão se sucedendo
até que a platéia se vê tomada por
esse mundo, onde as diferenças se
concretizam expressivamente em
batidas dos pés, gestos das mãos,
sinuosidades dos corpos e do canto, sem falar no virtuosístico domínio dos instrumentos. Assim
como os ritmos são atacados com
incrível precisão nos "rasgueados", também o corpo que dança
desenha tudo que se ouve com
acentos milimetricamente justos.
Que a companhia apresentou
um flamenco consistente é o mínimo que se pode dizer, a despeito dos pequenos deslizes. Mas a
grande força da noite esteve nos
solos de Yerbabuena. É uma dança agridoce, inquieta e intensa,
carregada de pulsões.
O combate da vida e da morte é
um tema por excelência do flamenco. Associado à poesia moderna, com conotações políticas
antigas e recentes, e, neste novo
contexto, musical e cenograficamente atualizado, revitaliza as
marcas clássicas do flamenco como dança que acende e consome
as paixões. A prova dos nove é o
coração de Yerbabuena, que se
expõe ali aberto, à procura de ecos
no escuro -seja no fundo do palco, onde afinal desaparece, seja à
sua frente, onde quem desaparece
somos nós.
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