São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 2005

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DANÇA

Eva Yerbabuena apresenta flamenco renovado em "A Cuatro Voces"; misturas e contrastes são elementos marcantes

Dançarina expõe coração à procura de ecos

INÊS BOGÉA CRÍTICA DA FOLHA P erguntas sem respostas e sentimentos contrastantes organizam a cena flamenca de "A Cuatro Voces", de Eva Yerbabuena, que estreou sexta passada no Alfa. Em cena, oito músicos e 11 dançarinos tramam e destramam questões essenciais da vida e -com fatalístico acento espanhol- da morte. Melismas vocais, movimentos dos braços e do tronco, batida dos pés no chão, harmonias alteradas: tudo revela sutilezas que se precisa aprender a perceber, para além da força e vibração da dança.
Na primeira cena, ao som de "Clair de Lune", de Debussy, Yerbabuena narra com seu próprio corpo o drama de uma mulher cujo marido foi morto. A conexão dessa música com os textos cantados, depois -letras de Horatius Garcia e música de Paco Jarana, inspiradas na poesia de Miguel Hernández, Vicente Aleixandre, Garcia Lorca e Blas Otero- não parece clara. Mas misturas e contrastes são um elemento marcante desse flamenco renovado de Yerbabuena, que olha para trás e para a frente ao mesmo tempo, abarcando, por exemplo, a música de Debussy e o teatro de Robert Wilson.
Durante toda a noite o palco é riscado pela luz de Raul Perotti. São retângulos, quadriculados e círculos que contribuem muito para a dramaturgia, com seu jogo expressivo de luz e sombra.
Diversos ritmos do flamenco pouco a pouco vão se sucedendo até que a platéia se vê tomada por esse mundo, onde as diferenças se concretizam expressivamente em batidas dos pés, gestos das mãos, sinuosidades dos corpos e do canto, sem falar no virtuosístico domínio dos instrumentos. Assim como os ritmos são atacados com incrível precisão nos "rasgueados", também o corpo que dança desenha tudo que se ouve com acentos milimetricamente justos.
Que a companhia apresentou um flamenco consistente é o mínimo que se pode dizer, a despeito dos pequenos deslizes. Mas a grande força da noite esteve nos solos de Yerbabuena. É uma dança agridoce, inquieta e intensa, carregada de pulsões.
O combate da vida e da morte é um tema por excelência do flamenco. Associado à poesia moderna, com conotações políticas antigas e recentes, e, neste novo contexto, musical e cenograficamente atualizado, revitaliza as marcas clássicas do flamenco como dança que acende e consome as paixões. A prova dos nove é o coração de Yerbabuena, que se expõe ali aberto, à procura de ecos no escuro -seja no fundo do palco, onde afinal desaparece, seja à sua frente, onde quem desaparece somos nós.
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