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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Dezesseis anos depois de ser premiado em Gramado, baiano estréia em longas com "Eu Me Lembro"
Navarro propõe mosaico de sua geração
EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Na década de 80, o diretor baiano Edgard Navarro despontou
como talento emergente do cinema baiano. Foi premiado duas vezes no Festival de Brasília (com os
curtas "Porta de Fogo", em 1985, e
"Lyn e Katazan", em 1986), e em
Gramado (com o média "Superoutro", em 1989). A falta de uma
política de incentivo local, segundo ele, acabou atrasando em 16
anos a esperada estréia do diretor
em longas-metragens, que acontece somente hoje à noite, com
"Eu Me Lembro".
Para seu debute, Navarro, 56,
não quis, no entanto, tirar um dos
vários projetos que via empoeirar
na gaveta. Preferiu partir de um
roteiro novo, dando início a uma
trilogia de tintas autobiográficas,
cujos próximos capítulos serão
"Eu Pecador" e "Eu Sei Tudo",
ainda sem previsão de filmagem.
Mas o diretor avisa: o filme ultrapassa o umbigo e alcança o
cosmos.
"Não queria que o filme fosse só
uma metáfora de mim mesmo.
Parti de minhas lembranças para
chegar à memória coletiva. Não é
uma viagem pessoal; falo da relação trágica do ser humano com
sua condição de náufrago. O eu
do título é um eu mítico", teoriza
o diretor.
"Eu Me Lembro", conta Navarro, tem como pano de fundo o período que vai do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, à morte de
Vladimir Herzog, em 1975, passando pela morte do poeta Torquato Neto, em 1972. O personagem central, Guiga (Lucas Valadares) é um mosaico das relações
do próprio Navarro e de sua geração com a tortura, a clandestinidade, o orientalismo, o sexo, as
drogas etc. Tudo ao som de duas
canções de Caetano Veloso
("Baby" e a inédita "Eu Me Lembro"), três músicas antigas de Gilberto Gil ("Aquele Abraço", "Luzia Luluza" e "Objeto Semi-Identificado"), e versões para Beatles,
Pink Floyd etc.
"Faço uma imbricação de minha vida com eventos que testemunhei para ter mais dramaticidade. Não tem sentido dizer o que
é e o que não é autobiográfico,
mas procurei não trair aquele menino que fui", ressalta.
Cinema PeBa
"Eu Me Lembro" foi filmado em
2002. Para Navarro, seu filme, ao
lado de "Samba Riachão" (Candango de melhor filme em 2002,
empatado com "Lavoura Arcaica") e o recém-lançado "Cidade
Baixa", de Sérgio Machado, dão
conta de que "há vida no planeta
Bahia", esteja a produção à sombra ou não do ícone Glauber Rocha.
"A relação é meio de viúva,
meio edipiana. Sinto-me glauberiano na busca por uma estética
revolucionária, na grandiloqüência, mas não me sinto devedor.
Quero falar das minhas próprias
angústias, com a minha própria
poética. Sobre os ombros do gigante, mas sem desdenhar dele,
você pode ver até mais longe".
Dentro do boom do cinema
nordestino, que Navarro apelida
de PeBa (jogo de palavras com a
gíria nordestina, que significa
"ordinário, reles", e as siglas de
Pernambuco e Bahia), o diretor
diz que se identifica mais com
"Cinema, Aspirina e Urubus", do
pernambucano Marcelo Gomes,
do que com "Cidade Baixa", do
conterrâneo Sérgio Machado.
""Cidade Baixa" é belo e ágil,
mas o universo dele tem algo que
me incomoda. Não gosto da brutalidade da seqüência final, aquela
folia de sangue. O que me interessa como esteta é a forma delicada
e humanista que o Marcelo usa
para falar de guerra e discriminação. Eu não traí meu ideal hippie.
Para mim, o sonho não acabou."
O jornalista Eduardo Simões viaja a
convite do festival
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