São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Crítica/"Em Paris"

Diretor exibe vitalidade que volta a estar presente no cinema europeu

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Q uase podemos ver fisicamente alguns cineastas tutelares por trás de "Em Paris": há Godard e Truffaut, Demy e Antonioni. Mas nada chama mais a atenção neste filme de cinéfilo do que o momento em que Jonathan (Louis Garrel) passa diante dos cartazes em que se anunciam "Elefante", de Gus Van Sant, e "Marcas da Violência", de David Cronenberg.
São dois filmes enigmáticos, sem dúvida, e neles é o destino dos personagens que comanda o enigma. Há um homem que se reconstrói totalmente diferente do que era, em "Marcas da Violência", como se fosse possível ser o mesmo e o outro num só corpo. E há o adolescente de rosto angelical de "Elefante", que entra numa escola e fuzila as pessoas sem que nunca se saiba o porquê.
"Por quê?" -essa é a pergunta por trás de quase todos os filmes. É isso o que espectador também pergunta e que os filmes se propõem a responder. Nem todos. "Em Paris" é um desses que, com grande vigor, decide-se a romper a corrente causal. Por que Paul (Romain Duris) decide se jogar no Sena, depois de um rompimento com Anna (Joana Preiss)? Será o rompimento o motivo de sua depressão? Mas isso não seria decorrente de um estado de tristeza anterior, de desinteresse, do qual Anna se queixara?
Será que a disfuncionalidade da família deve-se ao fato de que Mirko, o pai, não consegue trocar idéias com ninguém? Melhor: não poderia estar a morte de Claire, a irmã, na base de tudo o que acontece?
Mas, afinal, o que acontece?
Paul passa o dia deprimido na cama, enquanto Jonathan sai de casa e transa com três garotas diferentes num só dia. É véspera de Natal: a mãe aparece, se desentende com o pai e some. Nada mais do que rotina. E, quando Paul fala a Alice, uma das garotas de Jonathan, referindo-se a Claire, desenvolve a hipótese de uma tristeza fundamental, que nasce com as pessoas como a cor dos olhos: um núcleo que não é possível transformar.

Sem explicações
Seria possível perguntar o que tem isso a ver com filmes como "Elefante" e "Marcas da Violência". À parte evoluírem em direção ao inexplicável, ao desconhecido -como "Em Paris", aliás- são filmes que tocam uma essência da sociedade americana, que é a violência.
"Em Paris" estamos em outra maneira de estar entre as coisas, um modo de ser europeu -que a nouvelle vague e o cinema italiano captaram em outros tempos melhor do que ninguém. Não é a violência a questão, mas um certo esgotamento do mundo, que se liga à tristeza essencial enunciada por Paul e com a qual convive um sentimento de vazio dos gestos e dos sentimentos.
Nesse mundo em que a loucura parece estar sempre à espreita, cada dia supõe uma salvação. Ela pode estar em uma garota legal, numa canção, num reencontro. Essa vida que não é dada (a oposição está no pai zumbi), que se precisa conquistar a cada dia, e que o autor, Christophe Honoré, capta com tanta integridade e é a demonstração de uma vitalidade que volta a freqüentar o cinema europeu -e da qual o italiano "Mundo Novo" é outra expressão recente.


EM PARIS
Direção:
Christophe Honoré
Produção: França, 2006
Com: Romain Duris, Louis Garrel
Onde: a partir de hoje no Reserva Cultural e no HSBC Belas Artes
Avaliação: ótimo



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