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Crítica/"Em Paris"
Diretor exibe vitalidade que volta a estar presente no cinema europeu
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Q
uase podemos ver fisicamente alguns cineastas tutelares por
trás de "Em Paris": há Godard e
Truffaut, Demy e Antonioni.
Mas nada chama mais a atenção neste filme de cinéfilo do
que o momento em que Jonathan (Louis Garrel) passa diante dos cartazes em que se anunciam "Elefante", de Gus Van
Sant, e "Marcas da Violência",
de David Cronenberg.
São dois filmes enigmáticos,
sem dúvida, e neles é o destino
dos personagens que comanda
o enigma. Há um homem que
se reconstrói totalmente diferente do que era, em "Marcas
da Violência", como se fosse
possível ser o mesmo e o outro
num só corpo. E há o adolescente de rosto angelical de
"Elefante", que entra numa escola e fuzila as pessoas sem que
nunca se saiba o porquê.
"Por quê?" -essa é a pergunta por trás de quase todos os filmes. É isso o que espectador
também pergunta e que os filmes se propõem a responder.
Nem todos. "Em Paris" é um
desses que, com grande vigor,
decide-se a romper a corrente
causal. Por que Paul (Romain
Duris) decide se jogar no Sena,
depois de um rompimento com
Anna (Joana Preiss)? Será o
rompimento o motivo de sua
depressão? Mas isso não seria
decorrente de um estado de
tristeza anterior, de desinteresse, do qual Anna se queixara?
Será que a disfuncionalidade
da família deve-se ao fato de
que Mirko, o pai, não consegue
trocar idéias com ninguém?
Melhor: não poderia estar a
morte de Claire, a irmã, na base
de tudo o que acontece?
Mas, afinal, o que acontece?
Paul passa o dia deprimido na
cama, enquanto Jonathan sai
de casa e transa com três garotas diferentes num só dia. É
véspera de Natal: a mãe aparece, se desentende com o pai e
some. Nada mais do que rotina.
E, quando Paul fala a Alice,
uma das garotas de Jonathan,
referindo-se a Claire, desenvolve a hipótese de uma tristeza
fundamental, que nasce com as
pessoas como a cor dos olhos:
um núcleo que não é possível
transformar.
Sem explicações
Seria possível perguntar o
que tem isso a ver com filmes
como "Elefante" e "Marcas da
Violência". À parte evoluírem
em direção ao inexplicável, ao
desconhecido -como "Em Paris", aliás- são filmes que tocam uma essência da sociedade
americana, que é a violência.
"Em Paris" estamos em outra
maneira de estar entre as coisas, um modo de ser europeu
-que a nouvelle vague e o cinema italiano captaram em outros tempos melhor do que ninguém. Não é a violência a questão, mas um certo esgotamento
do mundo, que se liga à tristeza
essencial enunciada por Paul e
com a qual convive um sentimento de vazio dos gestos e dos
sentimentos.
Nesse mundo em que a loucura parece estar sempre à espreita, cada dia supõe uma salvação. Ela pode estar em uma
garota legal, numa canção, num
reencontro. Essa vida que não é
dada (a oposição está no pai
zumbi), que se precisa conquistar a cada dia, e que o autor,
Christophe Honoré, capta com
tanta integridade e é a demonstração de uma vitalidade que
volta a freqüentar o cinema europeu -e da qual o italiano
"Mundo Novo" é outra expressão recente.
EM PARIS
Direção: Christophe Honoré
Produção: França, 2006
Com: Romain Duris, Louis Garrel
Onde: a partir de hoje no Reserva
Cultural e no HSBC Belas Artes
Avaliação: ótimo
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