São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

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NINA HORTA

Reminiscências em cadeia


Os leitores podem lutar por comida orgânica, mas o prazer vem da lembrança da comida da "nonna"

NA ÚLTIMA crônica, publiquei a carta de uma leitora sobre os cappelletti de sua "nonna". Mais uma vez, percebo que os leitores querem reminiscências, coisas que já aconteceram, que provavelmente não vão acontecer mais.
Não se ligam tanto no futuro, podem lutar por comida orgânica, ou por outra bandeira qualquer, mas o prazer vem mesmo da lembrança da comida da "nonna".
O nome da leitora é Deize Clotildes Barnabé de Morais. Diz ela que é uma mistura bem caipira das culturas italiana e brasileira e que, no meio da semana, já havia se tornado uma celebridade instantânea no meio dos comilões. E ela morrendo de alegria, o primeiro e-mail vinha de Ignácio de Loyola Brandão. Ele se lembrou da infância em Vera Cruz, do ritual de trabalhar as pamonhas e curaus. E anseia por um restaurante onde se possa chegar e ajudar, partilhar, participar e comer. (Ignácio, já temos uma coisa bem parecida idealizada pela Carla Pernambuco. No primeiro mutirão que ela organizar, te mando o convite.) Depois, à medida que eu ia passando os e-mails para ela, me senti uma alcoviteira, no meio de Romeu e Julieta. Cristina Pistolato Cardeña também faz os cappelletti com a família, onde eles têm o nome engraçado de inhulim. E acaba o e-mail no melhor estilo italiano: "Sou Servi e Cappelletti de sangue!" Regina Bui, dona do blog umdivanacozinha.blogspot.com, lembra aos leitores que o cappelletti da nossa escritora do último artigo eram recheados com os miúdos de frango, fervidos no brodo com cebola, bacon, cheiro-verde e alecrim. A "nonna" dela recheava com lombo de porco refogado e salame italiano moídos, substituindo os miúdos, porém, com a mesma finalização de farinha de rosca, parmesão e coentro. O restante da tradição é a mesma. E depois o senhor Miguel Novak.
"Revi a minha "nonna", que chamamos de Babe, fazendo os cappelletti, que chamávamos de kreplach, em uma impecável cozinha branca caiada por ela de seis em seis meses. Morávamos no Brás, tínhamos um pequeno galinheiro no quintal. Tudo que a "nonna" fazia com o frango, a Babe fazia igual, só que após depenar o frango, ele era levado à chama do fogão para eliminar o que sobrara das penas. Lembro que os kreplach eram comidos na noite que antecede o Yom Kippur, Dia do Perdão, em que os adultos jejuam. Você acha que ainda se fazem "nonnas" e Babes como antigamente?"
Maria Aparecida gostava tanto do ritual que pegou uma ajudante antiga e fazem para fora, segundo todos os preceitos. Mora em Jaboticabal. Se quiserem comprar dela, pireslemos@netsite.com.br.
Wagner Orlandi, rapaz de 27 anos, tem seus cappelletti ainda garantidos pela mãe, que aprendeu com a avó e que passou para uma prima, que garante a tradição. Na família dele, o recheio é de bracciola moída com bastante noz-moscada e presunto, numa máquina de moer bem velha, mas que não pode ser mudada porque dá briga.
Fátima Gadioli tem uma "nonna" que é a "mamma" do século 21.
Tem 78 anos, dirige um Corolla do ano, sai para tomar chá com as amigas no Terraço Itália, cata milho no computador. Como tem dores muito fortes no ombro direito, agora abre a massa na máquina, faz aos poucos, duas tiras por dia, até juntar o bastante para as grandes celebrações. O recheio é outro. "No lugar dos miúdos de frango, um salame inteiro é cozido e moído e depois misturado com os mesmos ingredientes, farinha de rosca, parmesão, noz-moscada e outros temperinhos deliciosos, mas não tão essenciais. O caldo do salame vai se juntar ao caldo da galinha, forte."
Tem mais e mais, que fica para outra vez, inclusive com uma receita nova. E obrigada por todos nós, Deize Clotilde. Volte sempre.

ninahorta@uol.com.br


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