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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
"Ó Paí, Ó"
Fui ao lançamento da comédia baiana. De certa forma, SP tem um déficit de Brasil. E a Bahia, um superávit
O PALCO para o "pocket show"
de Caetano Veloso foi montado ao ar livre, no meio daquele conjunto moderninho de prédios no Itaim, onde fica o Kinoplex,
na segunda-feira da semana passada. Estamos no lançamento, para
convidados, de "Ó Paí, Ó", a comédia
musical de Monique Gardenberg,
que estréia amanhã.
As pessoas vão chegando e se espremendo em torno do palco e na
entrada das salas. Fotógrafos perseguem celebridades. Recepcionistas
pedem para ver a pulseirinha VIP.
Acenos, apertos de mão, perfumes,
pipoca. Vai ter festa depois. Já tem
convite? A gente se vê.
Meu avô paulista costumava dizer
que São Paulo era o maior país do
mundo e o mais amigo do Brasil. A
frase é cheia de significados. De certa forma, São Paulo tem um déficit
de Brasil. E a Bahia, um superávit.
São pólos de uma dialética da qual o
tropicalismo é um dos frutos.
Se a bossa nova é um encontro da
Bahia com o Rio, o tropicalismo é
um choque com São Paulo. A analogia, creio, da artista Lygia Clark -"A
Bahia é o Velho Testamento e o Rio,
o Novo"-, diz muito sobre a trajetória do samba, que chegou aos cariocas no tabuleiro das baianas, prosperou gloriosamente, fez-se cultura
nacional, rebolou em Hollywood e
atingiu seu formato mais cosmopolita e sofisticado com o gênio de Tom
Jobim e o violão e o canto de João
Gilberto, que encerrou o assunto.
O tropicalismo foi, em parte, uma
reação ao que veio a seguir, na esteira do golpe militar: o festival grandiloqüente da canção de protesto, o
samba de "raízes" (ou jazzificado,
mas "social" e cafona, como no repertório de Elis Regina) e o nacionalismo varonil de setores da crítica e
das platéias estudantis de esquerda.
O tropicalismo pretendia retomar
a "linha evolutiva" de João Gilberto,
na célebre expressão de Caetano Veloso na "Revista de Civilização Brasileira". Mas, na verdade, não tinha
uma fórmula pronta. Paródicos e
alegóricos criaram um curto-circuito ao colocar em contato formas
aparentemente inconciliáveis.
Isso não seria possível sem a energia paulista, que forneceu a eletricidade da jovem guarda, a alta voltagem dos Mutantes, o espírito inovador de Rogério Duprat e, não menos
relevante, a entusiástica e civilizatória acolhida dos poetas e críticos
concretistas. O livro "Balanço da
Bossa e Outras Bossas", de Augusto
de Campos, deveria cair no "provão"
da jovem crítica e ser reavaliado por
chato-boys que acusaram os concretos de "pegar carona" na onda tropicalista, quando eles já militavam pela retomada do que consideravam a
linha evolutiva do modernismo, representada pela então diminuída
obra de Oswald de Andrade.
"Ó Paí, Ó" pouco ou nada tem de
tropicalista. Ecoa, na realidade, um
pouco da dramaturgia do mundo
CPC -o Centro Popular de Cultura,
que reuniu artistas de esquerda nos
anos 60. É uma divertida comédia
afro-baiana pós-CPC com música
popular pós-tropicalista. Mas isso já
está começando a ficar complicado.
Como diria o filósofo, deixemos o
sentimento sair do armário: dei boas
risadas, fiquei triste e saí com mais
"mixed feelings" em relação às utopias civilizatórias brasileiras.
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