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Camponeses perturbam milagre chinês
Livro que descreve situação de 900 milhões de pessoas foi proibido e vendeu até 10 milhões de exemplares clandestinos
Casal passou três anos fazendo reportagens em província e pesquisando a história econômica do mundo agrário da China
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
Muito antes de os monges
budistas revelarem ao mundo o
que a China não quer ver, um
casal de escritores constrangeu
o Partido Comunista Chinês
com o público que lhe é mais
caro, o interno.
Em um descuido atípico da
censura chinesa, a própria editora do governo publicou "O
Segredo Chinês - Milagre Econômico e Vida Rural na China
de Hoje", de Chen Guidi e Wu
Chuntao. O relato dos desmandos comunistas no vasto e paupérrimo interior do país virou
best-seller instantâneo, quando lançado há quatro anos.
Em um país onde a mídia é
censurada e martela dia e noite
que o país constrói uma "sociedade harmoniosa", o livro causou furor entre a classe média
urbana. Vendeu 250 mil cópias,
enormidade para não-ficção,
até que foi proibido.
Sendo a China como é, a proibição deu lugar a dezenas de
versões piratas do livro -estima-se que 10 milhões de exemplares clandestinos tenham sido vendidos no país.
A rotina de pesados impostos, corrupção e muita violência com quem ousa se rebelar é
contada em detalhes. Para aumentar a arrecadação, reformar a sede local do partido ou
para comprar um carrão ao
chefete de plantão, os governos
locais chineses criaram dezenas de impostos e taxas em cima dos agricultores.
Em um dos casos reais descritos, um crime é forjado para
se colocar na cadeia o líder de
um movimento de contestação.
Ele é assassinado na prisão.
900 milhões na sombra
"A história chinesa é de exploração e discriminação dos
camponeses, o que continuou
com o Partido Comunista, apesar da revolução ter dependido
deles", disse Chen Guidi, 64,
que também é dramaturgo, à
Folha. "Nos últimos três anos,
a vida deles melhorou, mas a
disparidade entre campo e cidade só aumenta."
O livro trata dos 900 milhões
de chineses que estão na sombra do milagre econômico. Cerca de 700 milhões ainda no
campo, enquanto os outros 200
milhões viraram retirantes e
subsistem na cidade grande,
sem a permissão de residência
necessária para ter acesso aos
serviços públicos.
Ali, trabalham na construção
civil de domingo a domingo ou
em fábricas que produzem manufaturas para o mundo inteiro
em jornadas de 12 horas.
"Esse sistema assegura que
os camponeses tenham dificuldade de abandonar o interior e
continuem a alimentar a cidade", diz Wu Chuntao, 44, mulher de Chen.
Abuso do baixo clero
Além da miséria, que é aliviada pouco a pouco pelo crescimento econômico chinês, os
autores se dedicam a esmiuçar
o poder real e a corrupção do
baixo clero do Partido Comunista. Eles apresentam vários
casos em que novas leis vindas
de Pequim para proteger o homem do campo não "pegam"
nos governos locais.
"Muitas regras são muito
alheias à realidade do interior
para serem cumpridas. Em outros casos, os governos locais
dizem que aceitam, mas boicotam no dia-a-dia para manter
seus benefícios. Não temos um
sistema de supervisão para um
país tão grande, e temos uma
mídia que só reporta as boas
notícias, não as ruins", diz Wu
Chuntao. "Então, não se sabe o
que acontece de errado nem se
corrige."
Na apuração do casal, que
passou três anos fazendo reportagens em Anhui, província
natal de Chen, e pesquisando a
história econômica do mundo
agrário chinês, eles descobriram que na última dinastia imperial, Qing, havia mil habitantes por funcionário público; em
1998, última estatística coletada pelo livro, eram 40 habitantes por funcionário público.
"A burocracia não parou de
crescer. Em algumas prefeituras, só falta ter departamento
de relações exteriores", escrevem. "E quantos mais templos,
mais budas."
O SEGREDO CHINÊS - MILAGRE ECONÔMICO E VIDA RURAL NA CHINA DE HOJE
Autores: Chen Guidi e Wu Chuntao
Tradução: Hermano Freitas
Editora: Record
Quanto: R$ 39 (266 págs.)
leia trecho do livro
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