|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Análise/arquitetura
Projeto de Siza estabelece conversa profunda com expressionismo do pintor
GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
O edifício da Fundação
Iberê Camargo tem sido muito aguardado
pelo meio arquitetônico. Vencedor do Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza
em 2002, é tido, já há algum
tempo, como um grande projetos do português Álvaro Siza.
Avesso a exibicionismos tecnológicos e preocupado em dialogar com os diversos contextos nos quais as suas obras se
implantam (as peculiaridades
do terreno, a tradição construtiva local, a história), Siza é considerado o expoente destacado
de uma corrente a que se chamou de "regionalismo crítico".
Corrente de arquitetos empenhados em recuperar tradições
culturais locais e idiossincráticas -normalmente artesanais-, ameaçadas de desaparecimento pelo impacto de uma
globalização niveladora. Suas
intervenções, portanto, são discretas e respeitosas.
O museu porto-alegrense,
contudo, parece uma nota dissonante nesse contexto. Espremido entre uma falésia rochosa
e uma avenida costeira, o edifício emerge no terreno como
uma massa sólida e fraturada,
bruta em sua volumetria e acabamento, e segmentada formalmente pelos tubos angulosos de rampas que se desprendem, em balanço, de sua fachada principal. Esses braços inclinados em arestas aludem, nas
palavras do crítico inglês Kenneth Frampton, a "tendões fraturados de algum monstro calcificado", tal a sua vocação simbólica, de teor expressionista.
Se esse "protobrutalismo"
arcaizante guarda referências
evidentes com a "Cidadela" de
concreto que Lina Bo Bardi
construiu no Sesc Pompéia, em
São Paulo, estabelece também
uma conversa profunda com a
obra do pintor gaúcho, povoada
de "fantasmagorias", "solidões"
e "carretéis" (novelos dobrados
sobre si mesmos). Hermeticamente selado e vazado apenas
por pequenas aberturas irregulares que enquadram detalhes
da paisagem, o museu se desenvolve em altura segundo um
percurso labiríntico, voltado
para dentro. Irmanados poeticamente, Siza e Iberê são artistas cujo expressionismo provém, paradoxalmente, de uma
subjetividade não exacerbada,
e sim retraída.
Por fim, o projeto do museu
também dialoga de modo muito próprio com a arquitetura de
Oscar Niemeyer e a "promenade" aérea e movimentada criada por suas rampas leves e sinuosas. Contudo, a espacialidade entrecortada e descontínua
criada pelo português, animada
por atrações contingentes, é,
em essência, oposta à continuidade transparente da arquitetura brasileira.
Siza, no fundo, parece inverter o gesto "niemeyeriano", reconduzindo-o à cova lusitana.
Não de modo regressivo, mas
com uma controlada ironia, e
um amargo senso de realidade
próprio a quem nunca deixou
de pisar a "terra firme".
GUILHERME WISNIK é arquiteto e autor de "Lucio Costa" (Cosac Naify, 2001)
Texto Anterior: Musa de Quaderna, Renata Rosa lança CD em São Paulo Próximo Texto: Música: Final de "American Idol" reúne "Davids" Índice
|