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Crítica/documentário/"Sympathy for the Devil"
Registro de Godard vê minúcias na criação de canção dos Stones
Encontro, de 1968, do "enfant terrible" da nouvelle vague com banda chega ao país
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Tanto quanto, nos dias
que correm, a palavra
de ordem é "seja (ou pareça ser) moderno ou pere-
ça", nos anos 60, "revolução"
reunia todos os atributos de
termo mágico, capaz de abrir
as portas e mudar o mundo.
Nesse clima de idéia e intenções, nada menos "revolucionário" do que o encontro, em
pleno 1968, dos Rolling Stones
com Jean-Luc Godard.
Os primeiros vinham fazendo do rock um campo fértil de
germinação da rebeldia. O segundo levava a cabo a demolição do conservadorismo cinematográfico no modo de narrar e, naquele momento, funcionava como um dos estandartes estéticos do maio de 68.
O resultado do encontro, o
mítico "Sympathy for the
Devil", chega agora em DVD ao
Brasil, em lançamento bem-cuidado da Magnus Opus,
que traz como complemento
o documentário "Voices", um
registro revelador do modo
de trabalho e do pensamento
de Godard.
Que os fãs remanescentes
dos Stones não esperem, entretanto, descobrir algum segredo
do bando de Jagger/Richards.
O que Godard registrou foi o
trabalho de formiga da banda
em estúdio, a construir minuciosamente a canção
"Sympathy for the Devil", por
meio de longos e lentos movimentos de câmera.
A esse material, o "enfant
terrible" da nouvelle vague cola
cenas de situações aparentemente disparatadas: integrantes do movimento negro norte-americano Black Panthers enunciando slogans e movimentando fuzis no cenário de
um ferro-velho; Anne
Wiazemsky (então mulher de
Godard), como Eva Democracia, perambulando num bosque
enquanto dá uma entrevista na
qual suas únicas respostas são
"sim" e "não"; um jovem declamando trechos de "Mein
Kampf", de Hitler, numa livraria especializada em pornografia e romances baratos; e Wiazemsky pichando em muros londrinos slogans como "cinemarxismo", "sovietcongue",
"maoarte" e "freudemocracia".
Ruptura da ordem
Neste caldo de contracultura, as partes adquirem mais
sentido que o todo. Não à toa,
a versão de Godard para o filme
(com uma montagem diferente
da que está sendo lançada neste
DVD) intitula-se "One + One",
ou seja, cada trecho existe isoladamente.
A função específica do registro dos Stones, contudo, é de
contraponto produtivo. Enquanto nela Godard se atém
com minúcias ao processo de
construção e de ordenação de
uma canção, nas outras ele insiste nas qualidades da destruição e da ruptura da ordem.
"One + One" também pode
ser entendido como o princípio
fundador da colagem, procedimento da arte moderna de que
Godard se apropriou para liberar o cinema de suas amarras.
Assim, o "significado" perde espaço em proveito da abertura
do sentido, provocada pela desconstrução da música dos Stones e sua associação livre com
tantos outros signos culturais e
políticos da época.
Por fim, "One + One" também anuncia a mutação pela
qual a obra de Godard estava
prestes a sofrer, quando, logo
em seguida à experiência,
abandona o cinema de autor
para mergulhar no experimentalismo político do coletivo
Dziga Vertov.
SYMPATHY FOR THE DEVIL
Direção: Jean-Luc Godard
Distribuição: Magnus Opus (R$ 40,
em média)
Cotação: ótimo
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