São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

CRÍTICA DRAMA

Direção meticulosa confere gravidade a texto de Strindberg

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A fragilidade do ser humano em foco. "Cruel", adaptação de Elias Andreato da peça "Os Credores", de August Strindberg (1849""1912), é um exemplo acabado do projeto estético do naturalismo no fim do século 19.
Escrito em 1889, um ano depois de "Senhorita Júlia" -peça cujo prefácio é um manifesto pela expressão da verdadeira natureza humana- "Os Credores" é um dos textos do autor sueco que expõe seus personagens como animais de laboratório.
Strindberg estava sob a influência de Charles Darwin e Friedrich Nietzsche e interessado nas pulsões inconfessáveis do bicho-homem. Na luta pelo amor de uma mulher, um ex e o atual marido se enfrentam num confronto mais mental do que físico. Levado às últimas consequências, esse embate não terá vencedores, pois ao mais forte só restará um passivo de crueldade vergonhosa.
A figura feminina, que deve a ambos os contendores a felicidade perdida, pagará com juros as fraquezas de seu temperamento. O título do espetáculo de Andreato põe o foco na ação do ex-esposo, opção compreensível, pois é ele quem retorna disposto a vingar-se.
Colabora nisso, também, o fato do personagem que urde a vingança ser encarnado pelo famoso ator Reynaldo Gianecchini. Tanto ele como Erik Marmo e Maria Manoella servem-se da experiência televisiva, marcada pelo coloquialismo, que é, afinal, uma das chaves do naturalismo mesmo em seus primórdios.
Mas uma direção meticulosa opera na sustentação da gravidade ímpar que Strindberg solicita, e todos se saem bem do desafio. De fato, em Strindberg, principalmente nessa fase do escritor, se os personagens e seus traços exacerbados desvendam uma verdade quase científica, sua psicologia é fantasmagórica, muito afeita a ataques epiléticos e terrores mentais.
O cenário de Fábio Namatame, que também faz belos figurinos de época, adequa-se a esse contexto. A sala de estar aberta para uma varanda torna-se um jardim de inverno com vidros opacos, potencializando a luz de Wagner Freire e sugerindo uma caixa de experimentos aberta ao público para visitação.
"Cruel" é uma encenação que poderá soar estranha para quem a assistir buscando os tipos convencionais das novelas. Mas não decepcionará aqueles interessados em conhecer a obra de um dos gigantes do drama moderno. Um autor que nunca deixará de revelar nossa humanidade em carne viva.

CRUEL
QUANDO seg. e ter., às 21h; até 4/10
ONDE teatro Faap (r. Alagoas, 903; tel. 0/xx/11/3662-7233)
QUANTO R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom


Texto Anterior: Cidade em cena
Próximo Texto: Cinema - Crítica/Ação: Overdose patriótica derrota longa do Capitão América
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.