São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Novo livro de Edney Silvestre não convence

'A Felicidade É Fácil', recém-lançado, esbarra na tipologia superficial e denuncista ao retratar o início dos anos 90

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O novo livro de Edney Silvestre, "A Felicidade É Fácil", está quase todo situado no dia 20 de agosto de 1990 e na madrugada seguinte. É o dia planejado para o sequestro do filho de um publicitário enricado como testa de ferro de falcatruas do governo, narrado na abertura do livro.
Logo também se fica sabendo que o sequestro foi orquestrado por certa Organização de Santiago, formada por ex-agentes e torturadores das ditaduras militares sul-americanas, especializada em serviços de bandidagem nas recentes democracias do continente. Mas não tão profissional assim, já que os bandidos sequestram por engano o filho da empregada.
Se o leitor se lembrar de que, em 1990, o governo Collor marcava a ascensão da mistura entre políticos e publicitários que faria escola nos esquemas de evasão de divisas oriundas de caixa 2 de campanhas eleitorais, pagamento de propinas a deputados, desvio das privatizações etc., pensaria tratar-se de um thriller policial e político.
A impressão se reforçaria se considerasse o capítulo 13 do livro, passado em 1984, no grande comício das Diretas Já! na Praça da Sé. Ali se encontram as principais personagens do sequestro, cada uma com suas próprias preocupações: o líder dos sequestradores, desiludido com a frouxidão do presidente Figueiredo para lidar com os subversivos; o publicitário e seu sócio, antevendo o sucesso do PT e as novas oportunidades de negócio; um soldado pobre, que viria depois a ser o motorista da mulher do publicitário, sonhando em dar estudo à filha.
Se a intenção era essa, o romance fracassa. Pois a despeito da cronologia cronometrada, não há ação suficiente para compor algum suspense, nem há análise política dos acontecimentos fora de uma tipologia superficial e denuncista.
O que se pode denunciar quando o objeto da denúncia é um simples clichê? Quando a caracterização de todas as personagens repõe estereótipos -da perua, ex-garota de programa, aos pobres sonhando com a casa própria, dos ricos desalmados aos políticos corruptos?
Mas se não havia intenção político-policial, e se devesse entender a narração, antes, como esforço de construção literária inovadora, o resultado é pior.
A rala colagem de letras de música pop e palavras de ordem, as referências cômicas aos antecedentes étnicos de cada um que aparece, a inconsistência dos registros linguísticos (em que a empregada semialfabetizada, diz "tu sabe", mas também "vós tendes" e "vós ereis"), os diálogos didatizantes a ajudar o leitor a se lembrar do período, nada é inspirado.
Tampouco funcionam as seguidas perguntas esvaziadas para marcar a perplexidade dos humildes que nunca sabem de nada, as referências às marcas dos produtos como signos dos emergentes, "dropping names" da cultura supostamente sofisticada.
Assim como repetições forçadas nos inícios de frases, cenas de sexo canhestras ("Assim. Assim. Vai. Assim. Ah. Ah. Ah. Ah. Aaaah. Aaaah. Aaah. Aaah."), erros históricos como dar "a reeleição" como "favas contadas", num tempo que não havia sequer essa possibilidade.
Tudo leva a reconhecer no texto, no máximo, um embrião de roteiro no filão "Tropa de Elite 2" ou um esboço de prosa realista com apliques ornamentais isolados.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

A FELICIDADE É FÁCIL
AUTOR Edney Silvestre
EDITORA Record
QUANTO R$ 29,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO ruim


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