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O FILME
Deboche para salvar a cultura
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
À primeira vista, "O Rei da Vela", o filme, pode parecer o resultado de um projeto que foi caducando com a passagem dos anos.
De fato, ao ser exibido finalmente
em 83, numa primeira versão de
2h40 encurtada para cerca de 90
minutos no último Festival de Brasília, o filme tinha uma história de
11 anos conturbados pelo exílio e a
censura, uma produção marcada
pelas interrupções e retomadas.
"O Rei da Vela", de Zé Celso e
Noílton Nunes, é totalmente fragmentário. Em vez de se contentar
em ser documentário de uma remontagem da peça em 1971, o filme intercala os trechos que devem
ter sido filmados com esse objetivo
com outras séries de imagens, que
podem passar do documentário
histórico ao registro familiar.
Com essa colagem que grita por
vezes na tentativa de arremedo de
um tom messiânico, numa revolta
difusa contra tudo e todos em nome de uma anarquia qualquer,
acreditando deter a verdade das
coisas, sem no entanto conseguir
expressá-la com clareza, Zé Celso
acaba ao mesmo tempo reproduzindo um pouco do que foi a história do Oficina e correndo o risco de
fazer um pastiche de si mesmo.
Mas, se à primeira vista pode parecer simples pastiche de uma época e de todo um ideário, o filme
"O Rei da Vela" acaba deixando
que o espectador, pelo menos o de
boa vontade, perceba que essa insistência num modelo fragmentário messiânico-debochado, na
verdade, procura irradiar nos dias
de hoje os vestígios de um outro
mundo, mais simpático e lúdico.
A militância do deboche, em "O
Rei da Vela", é muito mais do que
simples iconoclastia anárquica. É
o deboche que o difere e afasta de
um simples cacoete messiânico
que assolou boa parte da cultura
brasileira encurralada diante de si
mesma. É uma espécie de profissão do humor cuja beleza está na
idéia de que só eles podem salvar
uma cultura que não consegue ser
trágica apesar da sua realidade.
Filme: O Rei da Vela
Diretores: José Celso Martinez Corrêa e
Noílton Nunes
Com: Renato Borghi, Esther Góes, Tessy
Callado e Henriqueta Brieba
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