São Paulo, sexta, 30 de janeiro de 1998

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O FILME
Deboche para salvar a cultura

BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

À primeira vista, "O Rei da Vela", o filme, pode parecer o resultado de um projeto que foi caducando com a passagem dos anos. De fato, ao ser exibido finalmente em 83, numa primeira versão de 2h40 encurtada para cerca de 90 minutos no último Festival de Brasília, o filme tinha uma história de 11 anos conturbados pelo exílio e a censura, uma produção marcada pelas interrupções e retomadas.
"O Rei da Vela", de Zé Celso e Noílton Nunes, é totalmente fragmentário. Em vez de se contentar em ser documentário de uma remontagem da peça em 1971, o filme intercala os trechos que devem ter sido filmados com esse objetivo com outras séries de imagens, que podem passar do documentário histórico ao registro familiar.
Com essa colagem que grita por vezes na tentativa de arremedo de um tom messiânico, numa revolta difusa contra tudo e todos em nome de uma anarquia qualquer, acreditando deter a verdade das coisas, sem no entanto conseguir expressá-la com clareza, Zé Celso acaba ao mesmo tempo reproduzindo um pouco do que foi a história do Oficina e correndo o risco de fazer um pastiche de si mesmo.
Mas, se à primeira vista pode parecer simples pastiche de uma época e de todo um ideário, o filme "O Rei da Vela" acaba deixando que o espectador, pelo menos o de boa vontade, perceba que essa insistência num modelo fragmentário messiânico-debochado, na verdade, procura irradiar nos dias de hoje os vestígios de um outro mundo, mais simpático e lúdico.
A militância do deboche, em "O Rei da Vela", é muito mais do que simples iconoclastia anárquica. É o deboche que o difere e afasta de um simples cacoete messiânico que assolou boa parte da cultura brasileira encurralada diante de si mesma. É uma espécie de profissão do humor cuja beleza está na idéia de que só eles podem salvar uma cultura que não consegue ser trágica apesar da sua realidade.

Filme: O Rei da Vela
Diretores: José Celso Martinez Corrêa e Noílton Nunes
Com: Renato Borghi, Esther Góes, Tessy Callado e Henriqueta Brieba



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