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ERUDITO/CRÍTICA
A mais fina ginga da Sinfônica
da BBC Escocesa com Ilan Volkov
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Orquestras ruins são todas
iguais, mas cada orquestra
boa é boa à sua maneira. Regida
por Ilan Volkov, anteontem na
Sala São Paulo, a Orquestra da
BBC Escocesa fez música sinfônica como se fosse música de câmara, num concerto onde precisão e
sutileza rimavam o tempo todo
com vivacidade.
Exemplo: o início do quarto
movimento, "Pas de Deux", do
"Divertimento (O Beijo da Fada)"
de Stravinski (1882-1971). Um trio
de violoncelo -o ótimo "spalla"
convidado Eduardo Vassalo, que,
aliás, estará no Festival de Campos do Jordão-, clarinete (outro
virtuose, Yann Ghiro) e harpa.
Aqui era música de câmara mesmo, tocada com grande senso de
delicadeza e fazendo render as
ironias da partitura, toda ela uma
grande homenagem a Tchaikovski (1840-1893).
O impressionante é que, ao
mesmo tempo, não se perdia a dimensão sinfônica, prestes a explodir nas mil e uma cores da orquestração.
Outro exemplo, bem diferente:
o início da "Quinta Sinfonia" de
Tchaikovski, com um incrível
som das cordas graves, em uníssono rítmico. Ou o retorno do tema principal do "Adágio" do
"Concerto para Clarinete e Orquestra" de Mozart (1756-1791),
com o solista inglês Michael Collins e a BBC Escocesa nas plenitudes de um "pianissimo" tão "pianissimo" que o som entrava numa outra dimensão. (Não por
acaso, foi a seção que serviu de
bis, antes do intervalo, atendendo
à ovação da platéia. Mas já não tinha como ser a mesma coisa.)
O principal responsável por essas mágicas era o maestro israelense Ilan Volkov, de 29 anos. Juventude faz diferença. Experiência também. Volkov foi regente
da Northern Sinfonia e assistente
de Seiji Ozawa na Sinfônica de
Boston, antes de se tornar titular
da BBC Escocesa, em 2003.
Rege com entusiasmo, sem afetação. Tem sempre a nota certa
nas mãos e faz as coisas parecerem fáceis. Quer dizer, faz cada
um de nós se sentir mais preparado, mais musicalmente inteligente do que realmente é.
Também o clarinetista Michael
Collins faz as coisas parecerem fáceis; mas nesse caso só parecem
mesmo fáceis para ele. Tirando,
quem sabe, uns dois ou três na cidade, ninguém sonharia em tocar
daquele jeito.
O "Concerto" de Mozart deve
ser a obra mais conhecida do repertório orquestral do instrumento. Que tenha soado novo se
deve, em parte, ao criterioso e
parcimonioso, mas nem por isso
menos notável uso de ornamentos -desde mordentes e "apogiaturas" até repetições variadas de
frases-, mas em maior medida à
fluência geral das coisas.
Mozart-Fred Astaire
Collins e a orquestra tocaram
um Mozart fino e gingado, um
Mozart-Fred Astaire. Antes disso,
a orquestra já gingara também tudo a que tinha direito no Stravinski, versão compacta do grande
balé neoclássico "O Beijo da Fada" (1928), uma das partituras
mais felizes da primeira metade
do século passado.
A arte muda quando a gente
muda; hoje o que já foi visto como
música reacionária encontra afinal seu público, capaz de ouvir
aqui um Stravinski (pré) pós-moderno, habilidosa e amorosamente reinventando Tchaikovski em
seus próprios termos.
Terminar o concerto com um
bombom de Stravinski no bis foi,
então, o simpático e lógico fecho
para o concerto, de uma grande e
simpática orquestra que se descobriu no seu jovem regente.
Avaliação:
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