São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2006

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ERUDITO/CRÍTICA

A mais fina ginga da Sinfônica da BBC Escocesa com Ilan Volkov

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Orquestras ruins são todas iguais, mas cada orquestra boa é boa à sua maneira. Regida por Ilan Volkov, anteontem na Sala São Paulo, a Orquestra da BBC Escocesa fez música sinfônica como se fosse música de câmara, num concerto onde precisão e sutileza rimavam o tempo todo com vivacidade.
Exemplo: o início do quarto movimento, "Pas de Deux", do "Divertimento (O Beijo da Fada)" de Stravinski (1882-1971). Um trio de violoncelo -o ótimo "spalla" convidado Eduardo Vassalo, que, aliás, estará no Festival de Campos do Jordão-, clarinete (outro virtuose, Yann Ghiro) e harpa. Aqui era música de câmara mesmo, tocada com grande senso de delicadeza e fazendo render as ironias da partitura, toda ela uma grande homenagem a Tchaikovski (1840-1893).
O impressionante é que, ao mesmo tempo, não se perdia a dimensão sinfônica, prestes a explodir nas mil e uma cores da orquestração.
Outro exemplo, bem diferente: o início da "Quinta Sinfonia" de Tchaikovski, com um incrível som das cordas graves, em uníssono rítmico. Ou o retorno do tema principal do "Adágio" do "Concerto para Clarinete e Orquestra" de Mozart (1756-1791), com o solista inglês Michael Collins e a BBC Escocesa nas plenitudes de um "pianissimo" tão "pianissimo" que o som entrava numa outra dimensão. (Não por acaso, foi a seção que serviu de bis, antes do intervalo, atendendo à ovação da platéia. Mas já não tinha como ser a mesma coisa.)
O principal responsável por essas mágicas era o maestro israelense Ilan Volkov, de 29 anos. Juventude faz diferença. Experiência também. Volkov foi regente da Northern Sinfonia e assistente de Seiji Ozawa na Sinfônica de Boston, antes de se tornar titular da BBC Escocesa, em 2003.
Rege com entusiasmo, sem afetação. Tem sempre a nota certa nas mãos e faz as coisas parecerem fáceis. Quer dizer, faz cada um de nós se sentir mais preparado, mais musicalmente inteligente do que realmente é.
Também o clarinetista Michael Collins faz as coisas parecerem fáceis; mas nesse caso só parecem mesmo fáceis para ele. Tirando, quem sabe, uns dois ou três na cidade, ninguém sonharia em tocar daquele jeito.
O "Concerto" de Mozart deve ser a obra mais conhecida do repertório orquestral do instrumento. Que tenha soado novo se deve, em parte, ao criterioso e parcimonioso, mas nem por isso menos notável uso de ornamentos -desde mordentes e "apogiaturas" até repetições variadas de frases-, mas em maior medida à fluência geral das coisas.

Mozart-Fred Astaire
Collins e a orquestra tocaram um Mozart fino e gingado, um Mozart-Fred Astaire. Antes disso, a orquestra já gingara também tudo a que tinha direito no Stravinski, versão compacta do grande balé neoclássico "O Beijo da Fada" (1928), uma das partituras mais felizes da primeira metade do século passado.
A arte muda quando a gente muda; hoje o que já foi visto como música reacionária encontra afinal seu público, capaz de ouvir aqui um Stravinski (pré) pós-moderno, habilidosa e amorosamente reinventando Tchaikovski em seus próprios termos.
Terminar o concerto com um bombom de Stravinski no bis foi, então, o simpático e lógico fecho para o concerto, de uma grande e simpática orquestra que se descobriu no seu jovem regente.


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